– Desafiado pelo poder concebido e confrontado pela natureza profana do curso histórico, Bolsonaro deverá clamar.
Quando se atinge o poder, a impressão que se dá acerca do mundo é sobre ele estar nas palmas das suas mãos. Não à toa, seja na esfera política, econômica ou religiosa, confere-se a possibilidade de decisão àquele cujo ego – e não necessariamente de modo pejorativo – está explícito. No entanto, até que ponto devemos poder utilizar-se do poder?
Em 2018, em meio à um lamaçal de corruptores, corrompidos e iminentes inimigos do povo, surgiu uma figura popular na realidade e no imaginário do brasileiro. Jair Bolsonaro, ex-deputado pelo Rio de Janeiro, foi nomeado como candidato ao Palácio, e, por consequência, foi escolhido pela massa, ainda sob as hipérboles emanadas do amor e do ódio. É daí que surge a referência para o título acima: Jair é, dadas as proporções inexatas, o Daniel contemporâneo e tupiniquim.
Portanto, neste contexto, tal como Dário quis Daniel sob concessão e subordinação às suas convicções, ou melhor, ao seu reino, o povo brasileiro, enraizado pela sede de mudança, quis Bolsonaro, pois este, no cenário atual, é a maior representação dos nossos anseios e da nossa recuperação no âmbito político-social e, inclusive, da fé. Mas o brasileiro, justamente em virtude da laicidade do Estado, pode ter várias formas de acreditar, de crer, de clamar.
Daniel não enxergou em Dário à divindade nele forçada, tampouco silenciou sua confissão e crença ao seu Deus; Bolsonaro deve fazer o mesmo, afinal, o ópio da honestidade e sanidade está desenhado pelo fanatismo e alienação, o que culmina numa necessidade de atenção do presidente eleito. Jair tem o povo ao seu redor, à sua disposição, tem a chance de mantê-lo ao seu lado, mas não pode cegar-se perante o reflexo dos milhões e esquecer-se daquilo que o condicionou ao curso histórico: a gratidão, a lucidez e a humildade. Seja o que Deus – o meu, o seu ou qualquer outro – quiser.