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Emendas de Relator seriam um orçamento secreto ou paralelo?

A ministra do Supremo Tribunal Federal-STF, Rosa Weber, suspendeu liminarmente a execução dos recursos das “emendas de relator” do Orçamento de 2021, com base nas Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF 850 (Cidadania), 851 (PSB) e 854 (PSOL), que questionam a prática exercida pelo Governo, em conjunto com o Centrão, de liberação de verbas pelo relator do Orçamento para a votação de pautas do Executivo no Congresso, até o exame pelo Plenário da corte, que deve acontecer entre 09/11 e 10/11.

Segundo Rosa Weber, ao analisar as contas do Presidente da República referentes a 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) verificou aumento expressivo na quantidade de emendas apresentadas pelo relator do Orçamento, em torno de 523%, sem levar em conta parâmetros de equidade ou eficiência na eleição dos órgãos e entidades beneficiárias dos recursos alocados, conforme notícia do STF de 05.11.2021, com o título “Ministra Rosa Weber suspende a execução de “orçamento paralelo””.

Antes de mais nada, torna-se necessário dizer que no Orçamento de 2020 ocorreu uma celeuma por conta de R$ 30 bilhões vetados por Bolsonaro à Lei Orçamentária Anual – LOA, relativos às emendas de Comissões e de Relator, que as tornavam Impositivas, objeto de artigo para o Vida Destra, que você encontra aqui. O Congresso manteve o veto político de Bolsonaro, concordando que as emendas deveriam observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridade feitas pelos respectivos autores, bem como daria prazo de 90 dias para que o Executivo fizesse o empenho das emendas, ou seja, elas não eram impositivas.

Já no Orçamento de 2021, o Congresso Nacional derrubou o veto de Bolsonaro que impedia o uso de emendas de relator-geral e de comissão para destinar recursos ao Orçamento, dando mais liberdade para para os parlamentares alocar recursos.

A medida cautelar de Rosa Weber estabelece que as demandas de parlamentares voltadas à distribuição de emendas do relator-geral do orçamento, devem ser registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantidas pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal, em conformidade com os princípios constitucionais previstos no artigo 37, de publicidade e transparência.

A decisão da ministra do STF atinge de frente a relação entre Executivo e Legislativo, bem como o teto de gastos, a âncora fiscal do país que está ameaçada pela possível não aprovação da PEC dos Precatórios, também objeto de artigo para Vida Destra, que você encontra aqui, conforme notícias da Gazeta do Povo de 05.11.2021.

Sobre a PEC dos Precatórios, só a alteração do período base para correção do teto de gastos, conhecido como “sincronização de despesas”, em que o reajuste passaria a considerar a inflação medida pelo IPCA de janeiro a dezembro de cada ano, ao invés do IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior  ao de sua vigência, possibilitaria uma economia fiscal de R$ 47 bilhões, conforme notícia da Gazeta do Povo de 04.11.2021.

Desde 2020, as emendas de relator são liberadas pelo Governo com base na adesão de deputados e senadores à aprovação de propostas de interesse do Planalto ou do Centrão. O controle de liberação, em 2021, está concentrada nas mãos do Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Para a ministra, falta transparência.

Torna-se imprescindível entender o que é este dispositivo de controle de constitucionalidade abstrato, a ADPF e a possibilidade de concessão de medida cautelar ad referendum do Plenário. O artigo 1o da Lei 9.882, de 03.12.1999 dispõe:

A arguição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal e, terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Mas qual preceito fundamental teria sido violado pelo Executivo e Legislativo? Por preceitos fundamentais entende-se: a) os princípios constitucionais e objetivos (art. 3o CF); b) direitos e garantias fundamentais (art. 5o. CF); cláusulas pétreas (art. 60 § 4o CF) e princípios da Administração Pública (art. 37 CF) e outras normas fundamentais.

Daí a relatora das ADPF, Rosa Weber, entender que fere os princípios da Administração Pública, de publicidade dos atos do Poder Público, de liberação das verbas RP-9 (emendas do relator) do Orçamento, bem como é incompatível com a forma republicana e o regime democrático. Será que a ministra estaria correta? Segundo Bolsonaro, as emendas são publicadas no Diário Oficial da União, conforme entrevista à Jovem Pan de Curitiba.

No tocante à medida cautelar, o § 1o  do art. 5 da Lei supracitada prescreve que: em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.

Quanto à extrema urgência ou perigo de lesão grave, entendo que não estão presentes os requisitos nas ADPFs, ainda mais que o Orçamento não é secreto, está nas mãos do Relator, ainda mais que é prerrogativa do Congresso Nacional para definir a alocação de recursos orçamentárias por meio de emendas do relator-geral — que tem o poder da caneta, segundo Bolsonaro — e conta com amplo respaldo na legislação infraconstitucional.

Tanto o PGR como o AGU alegam que não foi obedecido o requisito de subsidiariedade previsto no § 1o  do art. 4 da Lei 9.882, que é uma condição de admissibilidade da ADPF, qual seja: “não será admitida a arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade”. O PGR vai além, dizendo que é inviável proceder-se controle concentrado de constitucionalidade, a análise de fatos e provas e, principalmente, por tratar-se de matéria interna corporis do Congresso Nacional.

Agora no STJ, o Senado aprovou a PEC 10/17, conhecida como PEC da Relevância, que cria um filtro para admissão dos recursos especiais que serão julgados pelo Tribunal da Cidadania, mas a matéria voltará para a Câmara para discussão em virtude de alterações efetuadas pelos senadores. Entendo ser necessário aumentar o freio de acesso de partidos políticos ao STF, com a criação de um novo filtro, como já foi feito com a repercussão geral.

Concluindo, a ministra Rosa Weber esquece o princípio estabelecido no artigo 2º da CF, que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Em briga de Executivo e Legislativo, a ministra do STF não mete a colher, com ativismo judicial.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 10/11/2021.
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1 COMMENTS

  1. Perfeito o artigo, amigo Luiz! Sua conclusão foi na cerne do problema, a ministra Rosa Weber não agiu segundo o que está escrito na Constituição.
    Na verdade, temos visto que isso já está se tornando comum no STF.??‍♀️

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Economista, advogado e bancário (aposentado)