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Entenda o que esta por trás do ativismo judicial dos ministros do STF

Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação

(Que País é esse? – Legião Urbana)

 

Se Renato Russo, vocalista da banda Legião Urbana, estivesse vivo, creio que não usaria mais a expressão “ninguém respeita a Constituição” em referência à contradição ética perpetrada pela então classe política. É bem provável que trocaria esta última pela popular “rasgar a Constituição”, em alusão aos desmandos jurídicos e as constantes e explícitas manobras políticas invasivas dos ministros do STF e, provavelmente, estaria preso a mando de alguns deles, por expor pensamentos “antidemocráticos” de ataque às instituições.

“Rasgar a Constituição” tornou-se uma expressão consagrada no linguajar popular como repúdio e denúncia ao que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vêm fazendo em suas decisões tresloucadas.

Que país é esse, pergunta Renato Russo. Esse é o país onde aqueles que deveriam ser os “guardiões” da Constituição são os primeiros a vilipendiá-la.

Uma maneira pela qual o desrespeito à Constituição se manifesta, em prol de convicções e conveniências puramente pessoais e de caráter político, é por meio do uso de interpretações particulares em detrimento daquilo que é mais claro na letra da lei. Estou falando do famigerado “ativismo judicial”, que à primeira vista pode ser interpretado pelos menos atentos, apenas como sinônimo de militância, mas que esconde atrás de si algo bem mais complexo e perigoso, fruto de elucubrações jurídicas perniciosas.

Analisar as ações dos ministros do STF sem levar em consideração seus pressupostos filosóficos e doutrinários é perder o foco principal dessa discussão. O ponto nevrálgico desse ativismo gira em torno de uma nova postura hermenêutica que há décadas invadiu o campo jurídico brasileiro. Neste sentido, apelar para causas puramente morais, tais como: mau-caratismo, corrupção e o esquerdismo latente dos 11 ministros, do meu ponto de vista, é insuficiente para explicar suas decisões arbitrárias.

Essa nova hermenêutica no campo jurídico respalda teoricamente a invasão dos poderes e, consequentemente, as arbitrariedades que a maioria dos ministros, principalmente os da chamada “segunda turma”, têm cometido.

Entretanto, o que muitos desconhecem é que o chamado “ativismo judicial” é consequência direta do “pós-positivismo jurídico”, elemento caracterizador do “neoconstitucionalismo” ideológico.

 

OS PRINCIPAIS DIFUNDIDORES DESSA NOVA ABORDAGEM

 

Essa linha de pensamento jurídico passou a ser amplamente difundida por Ronald Dworkin e Robert Alexy.

Dworkin, principalmente, foi um liberal defensor dos direitos humanos com posições bem progressistas, que influenciou gerações de juristas em temas polêmicos tais como aborto, eutanásia, liberdade de expressão, democracia, eleições, ação afirmativa, desobediência civil, feminismo e pornografia.

O filósofo conservador Roger Scruton, falando sobre os novos pensadores da esquerda, afirma que “Habermas e Dworkin colecionavam “prestigiosos prêmios por suas defesas quase ininteligíveis dos principais lugares-comuns da esquerda”. Leia mais aqui!

É esse novo paradigma de Dworkin que irá influenciar, por exemplo, o pensamento de Luís Roberto Barroso, seu principal difusor e ardente defensor em terras tupiniquins.

A título de ilustração, no livro “O domínio da vida”, Dworkin irá defender seu ponto de vista a favor do aborto, fazendo uso leviano dos escritos de Santo Agostinho e Tomás de Aquino, como se estes apoiassem a prática do assassinato infantil.

Portanto, quando o ministro Roberto Barroso se posiciona favorável à legalização do aborto ou das drogas, está sendo coerente com as ideias esquerdistas de seu guru.

 

O JUIZ COMO CONSTRUTOR DO DIREITO

 

Na interpretação jurídica tradicional, a norma jurídica exerce a função de regra que deve ser aplicada ao fato concreto para a solução dos problemas jurídicos. Quanto ao juiz, seu papel é identificar no ordenamento jurídico a norma que deve ser aplicada a cada caso específico.

Mas, segundo essa nova cultura jurídica defendida por Barroso, o juiz torna-se um intérprete com postura construtiva, atribuindo sentido ao enunciado legal. O sistema jurídico é visto como aberto, marcando-se pela interdisciplinaridade.

Para os neoconstitucionalistas, o campo da criação de leis não compete apenas ao Legislativo, mas o juiz, levado pelas demandas sociais e culturais contemporâneas, exógenas ao texto da Constituição, sente-se no direito de construir novas normas. Em um dos seus escritos, Barroso deixa bem clara essa posição ao dizer: “Com o avanço do direito constitucional (…) o intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis”. (Neoconstitucionalismo e  Constitucionalização do Direito – O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil, Luiz Roberto Barroso, p.12). Confira aqui!

Para entendermos do que ele está falando, consideremos agora o seguinte caso, tomando como exemplo o Artigo 226 da Constituição Federal, que normatiza a família como a base da sociedade. Ele define também, no parágrafo 3º, quais são os elementos constituintes desta família: “§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. (grifo meu)

Portanto, dentro da visão jurídica positivista, o enlace matrimonial entre um casal do mesmo sexo está excluído da definição de família para todos os fins. Diferentemente, na nova hermenêutica defendida pelos neoconstitucionalistas, o juiz, exercendo sua discricionariedade e ponderação, pode alargar o conceito de família para incluir casais homoafetivos.

Na visão pós-positivista há predominância do princípio sobre a regra, o que gera mudanças na área da interpretação constitucional. O direito não está na lei positiva, mas esparramado nos princípios constitucionais e sociais. Parece que há um tipo de “sensus plenior” jurídico, um alargamento da norma de acordo com critérios subjetivos do magistrado ao gosto da sua capacidade hermenêutica criativa para resolver conflitos.

O PERIGO DO NEOCONSTITUCIONALISMO

 

Sem embargo, a defesa dos neoconstitucionalistas é dizer que não se trata de redigir novas normas e nem de desconstruir as bases tradicionais da interpretação, mas de acrescentar-lhe uma modificação parcial naquilo em que ela se mostra insuficiente.

Dizem que a Constituição não deve ser interpretada literalmente, mas de acordo com as mudanças sociais, pois, segundo afirmam, a Constituição nada mais é do que um pacto social para uma determinada nação. Quando a cultura e as normas sociais da maioria mudam, é necessário que a interpretação das leis se ajuste também às novas mudanças.

Para eles, a Constituição não deve mudar, o que muda é sua interpretação. A Carta Magna  deve ser atualizada por meio da interpretação.

Nos casos em que há uma colisão de princípios jurídicos, os pós-positivistas utilizam a tal ponderação, a discricionariedade, que no frigir dos ovos é puro subjetivismo.

O resultado deste tipo de pensamento é a insegurança jurídica com decisões volúveis, contraditórias e vulneráveis dos nossos ministros, como pode-se observar no  caso da condenação em segunda instância.

É a partir deste tipo de “entendimento” jurídico que podemos entender as prisões ilegais tanto de Daniel Silveira, quanto de Roberto Jefferson e o famigerado inquérito do fim do mundo ou das Fake News.

No caso de Daniel Silveira, um vídeo postado na internet foi arbitrariamente interpretado como “flagrante delito”. O que é logicamente um absurdo!

Para eles, não há mais a necessidade de tipificação do crime. Em nome da ponderação, vale tudo!

Outro exemplo, de como esse princípio tem sido largamente utilizado e abusado pelos ministros, foi quando fizeram com que as normas do Artigo 43 do Regimento Interno do STF se alargassem para além das quatro paredes do tribunal, para alcançar quem os criticasse. A interpretação da ministra Rosa Weber foi no sentido de que o ambiente interno do tribunal se estenderia a todo o país via online.

No caso do inquérito das Fake News, todo o ritual processual penal foi reinterpretado ou simplesmente ignorado, pois os ministros eram ao mesmo tempo as vítimas, os denunciantes, os investigadores e os juízes, quebrando todo o sistema acusatório brasileiro.

Não é exagerado dizer que atualmente o Brasil está vivendo um pós-constitucionalismo.

Os elementos “ponderação” e “discricionariedade” judicial, tão caros à teoria do pós-positivismo, transformaram o texto constitucional em um “nariz de cera” que você pode torcer para onde quer. É a partir dessa linha de pensamento que se pode divergir utilizando o mesmo texto. A autoridade final não está no texto, mas na interpretação que o magistrado faz dele. O árbitro final na questão é a criatividade jurídica.

Em termos práticos, o que está ocorrendo hoje em nosso cenário nacional, muito por conta do ativismo judicial é a quebra da separação dos poderes. É explícita a invasão do Judiciário sobre os demais poderes. O lobby corre solto: não é difícil vermos ministros da Suprema Corte tendo encontros com lideranças políticas, lives ou encontros em residências. Alguém mui apropriadamente já disse que nós temos um “STF Trans”, cujos ministros se sentem e se enxergam políticos e agem como tais.

Com a corriqueira judicialização da política e a nítida partidarização da Justiça, o que resta da cambaleante democracia brasileira está cada vez mais desfigurada.

Em parte, pode-se creditar esta instabilidade à famigerada teoria neoconstitucionalista – uma verdadeira heresia no campo das leis.

 

 

Paulo Cristiano da Silva, para Vida Destra, 19/08/2021.
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É natural de São José do Rio Preto, casado, servidor público com formação em Ciências Sociais e pós-graduado em Ciências da Religião e Teologia.