Como assim, político cordial? Ora, não se diz por aí que política é conflito? Não assistimos às inúmeras farpas trocadas no Congresso Nacional entre as “Excelências”?
Se a palavra cordial lhe trouxe à memória a figura de um gentleman, à la Temer, data venia, o nobre amigo se equivocou.
Cordialidade, neste contexto em particular, não significa ser gentil ou polido, diz respeito aos sentimentos, remete ao latim cordis, que significa coração. O homem cordial é, assim, alguém que age com o coração ao invés da razão. É o homem das relações pessoais, dos afetos, forjado na moral da casa. Ele é individualista, avesso às formalidades. Quando este homem cordial adentra o espaço público e depara com as relações impessoais das normas e das leis, característica do Estado moderno, procura reduzi-las ao padrão pessoal e afetivo. Por outro lado, essa cordialidade pode assumir contornos bem truculentos quando a situação o exige
“O homem cordial” é o título do quinto capítulo do livro “Raízes do Brasil” do escritor Sérgio Buarque de Holanda. Sua obra foi um esforço para entender o comportamento social do brasileiro lá pela década de trinta, mas que se aplica ainda hoje. Qual é o comportamento do brasileiro no espaço público? Buarque nos diz que este “jeito cordial” que impregna a cultura brasileira tem suas raízes lá atrás, no período colonial, da Casa-grande e da senzala. Os filhos dos senhores de engenho que vieram para a cidade trouxeram, juntamente com o patriarcalismo e o patrimonialismo da Casa-grande, a cordialidade no tratamento, fruto de séculos de aculturação entre negros e portugueses. O privado foi levado para dentro do público, e o Estado confundido com a família!
A cordialidade como uma herança cultural
Por que o brasileiro não possui um espírito revolucionário como os europeus? Ao contrário, aguenta e suporta a opressão com costas largas. Reclama mas não age. Pois é, essa aversão quase endêmica do brasileiro ao conflito é própria da sua cordialidade.
Ao contrário das pessoas do Velho Mundo e dos parentes do Tio Sam, que são diretos e objetivos ao se expressarem, nós, por outro lado, contornamos a linguagem. Para um norte-americano a mensagem entre o emissor e seu receptor é bem definida. Por exemplo: se sou um norte-americano e alguém me convida para almoçar em sua casa no domingo, essa pessoa espera ouvir de mim um sim ou um não. Mas não aqui no Brasil; aqui, para não ofender a pessoa que me convidou, mesmo tendo certeza que não vou ao seu almoço, eu contorno o conflito e eufemizo a fala dizendo que “se der, eu vou”.
Há um estranhamento enorme dos gringos que vêm ao Brasil pela primeira vez. Para alguns é até insuportável conviver com nosso jeito “pegajoso” de ser. À vista do “outro”, somos, no mínimo, exagerados em nossa sociabilidade de abraços, apertos de mãos e afagos. E os tratamentos, então?! Ah, como gostamos de nos aproximar das pessoas desconhecidas, de nos fazer íntimos delas! Odiamos a distância, a formalidade e a indiferença. Por isso, em vez de utilizarmos o sobrenome, chamamos o gajo pelo primeiro nome e, se isso não bastasse, abusamos dos apelidos e dos sufixos “inho” e “ão”. Uma coisa é certa: se não conseguem nos amar, pelo menos nos odeiem, mas nunca permaneçam indiferentes, isso é insuportável à nossa ética cordial! Amem-me ou deixem-me!
Aqui no Brasil, para um comerciante conquistar um bom freguês, não basta ser profissional. Não, aqui ele precisa fazer amizade primeiro, porque é nossa cordialidade que torna nossa relação social mais íntima e por fim duradoura e até lucrativa. Nossa ética sabe muito bem mensurar as consequências de quebrar nossa lei da cordialidade: “aos amigos tudo, aos inimigos (ou aos indiferentes), os rigores da lei”. A frase célebre é comumente atribuída a Getúlio Vargas e mostra um pouco de quem somos e de como agimos.
A cordialidade como uma herança cultural
Essa herança cordial que trouxe para dentro do espaço público o patriarcalismo e o patrimonialismo seria uma boa explicação de por que o brasileiro dá mais importância ao poder executivo em detrimento do legislativo. Percebeu como nosso gosto pelo personalismo nos faz votar mais em pessoas do que em partidos? O coronelismo corre solto na política brasileira. Somos o país dos “padrinhos”. Preferimos acreditar em “salvadores da pátria” que possuam um comando forte e centralizador a crer na “demokratía” (governo do povo). Nós não sabemos lidar muito bem com a democracia, oscilamos entre o populismo e a tirania. Apesar de, à primeira vista, tanto um quanto o outro aparentarem certa polarização, eles possuem como elemento comum o personalismo, fator constitutivo na formação do homem cordial.
Os frequentadores do Planalto sabem muito bem que as principais decisões políticas são tomadas não no discurso racional do plenário, ou numa reunião formal de gabinete, mas no cafezinho, no almoço ou nos corredores do Congresso. É neste espaço sagrado da cordialidade que o lobby funciona.
Até mesmo a corrupção passa pela nossa cordialidade. É impossível não evocar aqui os noticiários de como se processou o esquema das propinas do petróleo mediante o tráfico de influência política. Amizades são construídas mediante o processo da corrupção. Apelidos carinhosos de cordialidade é o que não falta nos autos da Operação Lava Jato: o “Caju” (ex-ministro Romero Jucá); “Índio” (Eunício de Oliveira); “Primo” (Eliseu Padilha – atual Ministro-Chefe da Casa Civil); “Babel” (Geddel Vieira Filho – ex-ministro) e outros tão curiosos quanto estes. Não podemos esquecer também do “pixuleco”, alcunha dada à propina.
É interessante observar como essa relação de cordialidade da malandragem via “jeitinho brasileiro”, se manifestou na camaradagem dos militantes do PT ao socorrerem o ex-vereador do município de Osasco João Gois Neto (PT), preso preventivamente na Operação Caça-Fantasmas, com uma vaquinha de 300 mil reais. Observe a fala de um dos líderes responsáveis pela arrecadação: “Vamos fazer uma grande corrente de solidariedade e provar que não é à toa que nos chamamos de companheiro”. (sic)
É a solidariedade pelo jeitinho da corrupção espalhada pelo DNA cultural do brasileiro.
Paulo Cristiano da Silva, para Vida Destra, 08/09/2020
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No excelente art. de Paulo s/o político brasileiro:um homem cordial,só posso dizer q o povo já tá “careca” destas peças. L.Marinho levou um empurrão de comerciante em S.Bernardo.Em uma comunidade,dois levaram balde d’água.Não adianta fazer propaganda em azul,sabemos que são vermelhos.
Descreveu bem o jeitinho brasileiro