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Pauta verde de Bolsonaro sob risco

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar na quarta-feira, dia 30 de março de 2022, sete ações que tratam do PPCDAm – Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, interposta por diversos partidos políticos, entre eles: PSB, Rede Sustentabilidade, PDT, PV, PSOL e PCdoB, no sentido de que o Governo Bolsonaro se omitiu na adoção de medidas mais efetivas no combate ao desmatamento, a incêndios e queimadas, bem como reduziu a fiscalização por parte dos órgãos ambientais IBAMA e ICMBio, conforme notícia da mídia Migalhas Quentes, de 30 de março de 2022.

À guisa de conhecimento, gostaria de esclarecer que nenhuma das ações estava prevista para análise pelo Plenário do STF para o primeiro semestre de 2022, conforme pauta disponível na Internet.

No entanto, um grupo de artistas liderado por Caetano Veloso e uma indígena a caráter foi recebido, em 09 de março, pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Carmem Lúcia e Ricardo Lewandowski, oportunidade em que entregaram manifesto, abaixo transcrito, avisando que fariam um ato pelo meio ambiente, declarando-se contrários à aprovação de projetos de lei  de suma importância para o atual governo, os quais se encontram no Senado, tais como: licenciamento ambiental, mineração e garimpo, regularização fundiária, uso de defensivos agrícolas e restrições na demarcação de terras indígenas, conforme notícia do jornal Gazeta do Povo de 29 de março de 2022.:

“O cenário é de desesperança sobre o futuro da humanidade. No Brasil, vem se instalando verdadeira guerra socioambiental, especialmente na Amazônia, onde a destruição das florestas e os ataques a povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais crescem em velocidade assustadora. Há grave risco de irreversibilidade, especialmente em relação à garantia do Estado de Direito e ao ponto de não retorno (“tipping point”) no processo de degradação da Amazônia, que pode inviabilizar os esforços mundiais contra as mudanças climáticas e gerar a perda definitiva dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, danos irreparáveis que também estão se consolidando nos demais biomas do País”.

Impressionante a bola de cristal destes artistas socialistas que, no afã de entregar a Amazônia para grupos internacionais, como ONGs, das quais o ex-ministro do Meio Ambiente cortou as asinhas, traçam um cenário de tragédia, sem apresentar nenhum número.

Coincidentemente, na semana passada (no período de 28 de março a 1º de abril de 2022), estiveram com a ministra Carmem Lúcia — que é a relatora de 6 ações do PPCDAm — e com o Presidente do STF, Luiz Fux, sete ministros do Meio Ambiente dos Governos FHC, Lula, Dilma, Temer — Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg e José Sarney Filho, conforme notícias do jornal Gazeta do Povo de 29 de março de 2022. Só faltou a planta da Marina Silva!

Inclusive, a ministra Carmem Lúcia — historicamente engajada na questão ambiental —  disse, no julgamento de uma das ações, que falta eficiência ao governo federal para combater desmatamentos e incêndios na Amazônia, conforme abaixo:

“Mantém-se uma estrutura que não funciona, ou seja, descumpre-se o dever constitucional do agir eficiente, que é uma obrigação estatal. A inércia, a atuação insuficiente, ou contrária aos deveres, macula de inconstitucionalidade a atuação do Estado, impondo-se a intervenção judicial para restabelecer a eficácia dos direitos à dignidade ambiental, aos direitos fundamentais dos indivíduos da presente e das futuras gerações”.

Engraçado que o ativismo judicial se engaja através da ministra do STF, situação em que é repelida pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que se manifestou pela rejeição das 7 ações, inclusive dizendo que existem pedidos inexequíveis e genéricos, visto que o Judiciário não pode interferir nas escolhas administrativas do Executivo na proteção do meio ambiente. Fato que é corroborado pelo Ministério do Meio Ambiente, apresentando dados que mostram a efetividade das ações para conter crimes ambientais e reduzir a devastação do bioma amazônico.

Importante para a ministra deve ser “O cala boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”, citação famosa da ministra no julgamento da ADI 4815 que dispensou a autorização prévia do biografado — ou dos legitimados (parentes, herdeiros) — para a publicação de obra biográfica, combatendo a censura. Repetido exaustivamente por Lulu Santos no LolaPalooza, mas não é o que faz o STF no combate às fake news.

Agora, vou me debruçar apenas na ADPF 760, de relatoria da ministra Carmen Lúcia.

A ADPF 690 elenca um conjunto amplo de atos omissivos e comissivos perpetrados pela União, incluindo-se Ministério do Meio Ambiente – MMA, IBAMA, ICMBio e a FUNAI, dos quais decorreria um aumento expressivo de queimadas, incêndios e índices de desmatamento na Amazônia Legal nos anos de 2019 e 2020.

Tais atos omissivos haveriam acarretado: (i) paralisação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm); (ii) drástica queda de autuações ambientais pelos órgãos de fiscalização ambiental, de 31% em 2019 e 43% em 2020; (iii) utilização das Forças Armadas em GLO para fiscalização ambiental; (iv) redução da execução orçamentária para combater o desmatamento; (v) paralisação do Fundo Amazônia; e (vi) enfraquecimento da regulamentação infralegal.

No entanto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou ao STF, no Ofício 364/2020, de 08 de dezembro de 2020, que houve simplesmente uma migração do PPCDAm para o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento Ilegal e Recuperação de Vegetação Nativa, que incorporou todos os eixos do PPCDAm, bem como estendeu a área de atuação a todo os biomas do território nacional.

Um eixo importante acrescido ao PPCDAm, porém não relatado entre as omissões do Governo Federal, trata-se da regularização fundiária e ordenamento territorial, haja vista que havia uma expectativa de emissão de 26 mil títulos de regularização fundiária. No entanto, nos anos de 2017 e 2018, foram emitidos apenas 4.744. Aliás, mencionei este aspecto da existência de 1 milhão de agricultores na Amazônia em assentamentos irregulares e com regularização pendente, em artigo para o Vida Destra, que você encontra aqui.

Com base no Princípio do Meio Ambiente, Protetor-Recebedor, foi incorporado o eixo do Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, por meio do Floresta+, através da Portaria  no  288, de 02 de julho de 2020, destinando mais de R$ 500 milhões para pagamento direto a pequenos produtores rurais que possuem excedente de reserva legal e área de preservação permanente a serem recuperadas, bem como realizará pagamentos via projetos às comunidades que preservam áreas da Amazônia Legal e apoiará projetos de inovação no território amazônico.

No âmbito do Floresta+, foi lançado o Floresta+Carbono, por meio da Portaria no 518/2020, de modo que o MMA criou um instrumento para incentivar o mercado de serviços ambientais em todo o território nacional.

De acordo com a EMBRAPA, 90% das queimadas ocorreram em locais desmatados, e o uso do fogo na agropecuária foi perpetrado por produtores pouco tecnificados, o que motivou o Decreto no 10.424, de 15 de julho de 2020, que determinou a suspensão da permissão do emprego do fogo no território nacional, por 120 dias, bem como o apoio às ações de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal e incêndios.

Quanto à fiscalização, houve uma queda de autuações devido à negativa de auxílio das Polícias Militares da Região Amazônica, bem como decorrente da pandemia do COVID-19 pelo impedimento do escalonamento de servidores do grupo de risco e, por último, já houve autorização do Ministério da Economia para realização de certame público.

No tocante à utilização das Forças Armadas na fiscalização ambiental, o Governo Federal informou que não há interferência nas competências legais do IBAMA, previstas no artigo 70 da Lei 9.605/98 e no Decreto 6.514/2018. Tal autorização se deu no Decreto 10.341, de 06 de maio de 2020, que autorizou o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da ordem e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federadas de conservação ambiental e em outras áreas federais de conservação ambiental, e em outras áreas federais no Estado da Amazônia Legal.

No aspecto da execução orçamentária, o MMA informa ter havido uma situação atípica em 2019, que levou a um percentual menor, mas bastante positivo, no montante de 88% do limite autorizado para empenho, em razão da abertura de crédito especial, em favor do IBAMA, no montante de R$ 280 milhões, provenientes da decisão do STF na ADPF 568, que autorizou o recebimento de recursos recuperados pela Lava Jato. Anota, ainda, ter havido a “efetivação do maior volume de empenhos da série histórica, ou seja, R$ 944,7 milhões, montante 17,9% maior do que o volume empenhado em 2018 que era até o valor máximo empenhado”.

Quanto aos recursos do Fundo da Amazônia, o MMA afirma que auditorias realizadas no período de 2017/2018 teriam detectado inconsistências no acompanhamento da execução dos contratos e deficiências na execução física, por parte do TCU. Por tal motivo, foi editado o Decreto no   10.239/2020 que, ao criar o Conselho Nacional da Amazônia Legal, conferiu-lhe competência para, entre outras coisas, reativar o Fundo Amazônia e seu financiamento internacional.

Já a desregulamentação ambiental abusiva, o MMA esclareceu que o Decreto no 9.760/2019 não trouxe prejuízo ao processo sancionador ambiental e tampouco acarretou a liberação completa e irrestrita da exploração das atividades impactantes do cultivo de cana-de-açúcar — Bolsonaro repete nas lives que existia um Decreto que impedia o desenvolvimento desta cultura na Amazônia — e da exportação de madeiras nos biomas da Amazônia e do Pantanal, as quais devem observar todo o arcabouço normativo ambiental, sobretudo o licenciamento.

Tanto o AGU como o PGR citam que a ADPF não é instrumento adequado para acompanhamento ou fiscalização de políticas públicas, diante do princípio da subsidiariedade, ou seja, a falta de outro meio jurídico-processual com aptidão para neutralizar a situação de lesividade ao preceito fundamental.

A ação civil pública, o mandado de segurança ou a ação popular são instrumentos com aptidão para questionar a legitimidade de ações ou omissões praticadas pela Administração Pública, inclusive com maior amplitude do que aquela possível em ADPF, cujos parâmetros de controle se restringem aos preceitos constitucionais fundamentais.

Quanto ao estado de coisas inconstitucional citado pelos partidos políticos e pela relatora Carmem Lúcia, cabe primeiramente trazer os pressupostos do Estado de Coisas Inconstitucional, com base em síntese em artigo do CONJUR, de Carlos Alexandre de Azevedo Campos, disponível na Internet.

  • A constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente de simplesmente de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta um número amplo de pessoas (grifo meu);
  • A falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, “verdadeira falha estatal estrutural, que gera tanto a violação sistemática de direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação; e
  • A superação dessas violações de direitos exige a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão e, sim, a uma pluralidade destes — são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de recursos, etc.

Analisando todas as medidas adotadas pela União de prevenção e repressão ao desmatamento, além de políticas públicas desenvolvidas para preservação e conservação do meio ambiente, verificou demonstrado que não há nem de longe a presença de qualquer dos pressupostos acima elencados, conforme entendimento do MMA.

Na leitura do relatório, a ministra Carmem Lúcia fez um forte discurso sobre a natureza e o que envolve o meio ambiente: “Eu, desde muito cedo, escutei que “Deus perdoa tudo, o ser humano perdoa às vezes, a natureza não perdoa nunca”. A natureza cobra fatura quando ela é maltratada porque ela não se deixa morrer sem levar junto aqueles que a mutilaram”, conforme notícias da mídia Migalhas Quentes, de 30 de março de 2022.

Por fim, Carmem Lúcia disse que há uma falta de proteção ambiental, o que se traduz na cupinização constitucional, o que, no meu parco entendimento, a ministra do STF fecha os olhos para as informações prestadas pela União, da migração do PPCDAm para o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento Ilegal e Recuperação de Vegetação Nativa. Desconsidera as informações prestadas pelo AGU e pelo PGR, de que inexiste estado de coisas inconstitucional, tampouco a ADPF utilizada pelos partidos políticos é um instrumento adequado, mas objetiva na intenção dos autores da ADPF substituir os Poderes Legislativo e Executivo na formulação e execução de política pública do Estado.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 06/04/2022.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)