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Legislação / Jurídico

Qual é o início da prescrição do direito do Estado para execução da pena?

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar, em 24 de março de 2022, o Agravo em Recurso Extraordinário – ARE 848.107, interposto pelo Ministério Público (MP/DF) contra decisão do Tribunal de Justiça (TJ/DF), proferida em 29 de novembro de 2013, que reconheceu como marco inicial da contagem de prazo de prescrição (quanto ao poder do Estado de executar a pena) a partir do trânsito em julgado para a acusação, com base no inciso I do artigo 112 do Código Penal, conforme noticiado pela mídia Migalhas Quentes de 25 de março de 2022.

Inicialmente, cabe definir que prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo, dentro do prazo previamente fixado.

Aproveitamos para trazer os dispositivos do Decreto-lei n2.848/1940 (Código Penal):

Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr:

I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional:

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada …

De acordo com o MP/DF, a decisão do TJ teria contrariado entendimento do STF sobre a necessidade de trânsito em julgado para ambas as partes, a fim de que fosse iniciada a execução. Entende o parquet estadual que é impossível a execução da sentença penal condenatória antes de ela tornar-se definitiva, por respeito aos princípios constitucionais da legalidade (inciso II – Art. 5 CF) e da presunção da inocência (inciso LVII – Art. 5 CF), abaixo transcritos:

II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

LVII – Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Quanto ao entendimento jurisprudencial consolidado de necessidade do trânsito em julgado da condenação para ambas as partes, este foi adotado pela 1a Turma do STF no julgamento do HC 107.710-AgR, em 09 de junho de 2015, e do HC 115.269, de relatoria da ministra Rosa Weber, em sessão de 10 de dezembro de 2013, conforme notícia do CONJUR, de 20 de dezembro de 2019.

De igual forma, Guilherme de Souza Nucci e César Roberto Bittencourt, nos seus livros Manual de Direito Penal e Tratado de Direito Penal, consideram que deve ser o trânsito em julgado para acusação e defesa, ou seja, para ambas as partes, pois enquanto não transitar em julgado para a defesa, a prescrição poderá ser a intercorrente — é a prescrição da pretensão punitiva do Estado, com base na pena em concreto, tomando-se por base o período que medeia a sentença condenatória com trânsito em julgado para acusação, e o trânsito em julgado para a defesa.

Assim, conforme os professores: “Percebe-se que podem correr paralelamente dois prazos prescricionais: o da intercorrente, enquanto não transitar definitivamente em julgado; e o da executória, enquanto não for iniciado o cumprimento da condenação, pois ambos iniciam na mesma data, qual seja, o trânsito em julgado para a acusação”.

Já as Defensorias Públicas da União (DPU), do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, consideram que o Agravo de Recurso Extraordinário não é a via adequada, cabendo tão somente ao Legislativo disciplinar o início do prazo da prescrição. Os defensores públicos citam ainda o princípio da legalidade em sentido estrito em matéria penal — significa que apenas a lei, como espécie normativa específica, pode dispor a esse respeito, não se admitindo que nenhuma outra o faça, exceto por delegação expressa nos casos das “leis penais em branco” — e, ainda, o artigo 112 do CP está no ordenamento jurídico desde 1984, isto é, há 38 anos, período que antecede a instituição do princípio da presunção de inocência pela CF/88.

Já o princípio da presunção de inocência me dá calafrios, quando o cito, diante de que foi alterado o entendimento jurisprudencial do STF de 2016, da prisão após condenação em segunda instância, ainda que pendentes recursos às instâncias superiores, o STJ e o STF, para novo entendimento de 2019, que o cumprimento de pena deve começar após o esgotamento de recursos, apenar de não ter afastado a possibilidade de prisão antes do trânsito em jugado, desde que sejam preenchidos os requisitos do Código de Processo Penal para a prisão preventiva. O beneficiado desse ativismo judicial, não preciso nem mencionar, porque foi posto em liberdade e, pasmem!, estará concorrendo às eleições de 2022.

O ativismo judicial do STF é sem precedentes, já que a formação de culpa, isto é, a materialidade e os indícios de autoria já tinham sido confirmados por duas instâncias – como falar em presunção de inocência, quando o parquet estadual alega que é impossível a execução da sentença penal condenatória antes de ela tornar-se definitiva? Isso significa dar guarida ao esgotamento de todos os recursos.

Lembro ainda que o STF formou maioria (7×3) no HC 166.373, impetrado pelo ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira, de que a ordem das alegações finais em ação penal que envolva colaboração premiada: primeiro, devem se manifestar os delatores e, posteriormente, o delatado. Formou-se uma tese, que anulou a sentença. O iluminismo é impressionante!

O procurador-geral da República, Augusto Aras, divergiu das Defensorias, com base na interpretação de que a interpretação do dispositivo do Código Penal deve consagrar o princípio da presunção de inocência, para fixar, como termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória do Estado, a data do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para ambas as partes.

No entendimento de Aras, uma das consequências mais gravosas talvez seja a impunidade, porque o indivíduo já respondeu a um processo, foi condenado e, ainda assim, não cumprirá a pena em razão da demora no sistema, gerando uma injustiça para a vítima e seus familiares.

Concluo dizendo que o julgamento ainda não tem data marcada para retornar, mas vislumbra-se, pela manifestação do PGR e pelo ativismo do STF, de que será difícil cumprir pena no Brasil, baseado no princípio da presunção de inocência de que será necessário esgotar todas as instâncias, para então começar o termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória do Estado. Isso tudo porque o Legislativo não legisla!

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 30/03/2022.
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Economista, advogado e bancário (aposentado)