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QUEM, AFINAL, FOI GRAMSCI?

 

Existe uma frase muito impactante do positivista August Comte que diz: “os vivos são governados pelas ideias dos mortos”. Algo mórbido na afirmação, mas fato na realidade que nos cerca. Vou delimitar bastante este artigo para focar na figura de Antônio Gramsci, que de certa forma, moldou o pensamento brasileiro nos últimos 50 anos.

Antônio Gramsci, italiano que findou sua vida durante o regime do fascista Mussolini. Sobre Mussolini: um líder totalitário daqueles, dentro dos anos loucos que culminaram na II Guerra Mundial (uma frase dele: “tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”), sobre quem podemos até conversar em outro artigo, mas neste, é a vez Gramsci.

Adorado nas universidades brasileiras, talvez seja um dos mais cultuados “pensadores” da nova esquerda mundial, ao lado de Foucault (outro “boa praça”). Gramsci atuou politicamente entre os anos de 1923 a 1926 na Itália fascista de Mussolini. Em novembro do ano de 1926, foi preso dentro de um contexto de “Medidas Excepcionais”, ato esse que lhe rendeu, após processo, 20 anos de reclusão, sentença essa proferida em junho de 1928 pelo Tribunal Especial de Defesa do Estado. Apesar de todo rigor da sentença, por sua saúde fragilizada, Gramsci teve direito a uma cela individual, onde recebeu também autorização para escrever e ler regularmente. Foi então que, a partir de 1929, começou a redigir os primeiros artigos, em cadernos tipo escolar (ao final de sua obra, somaram 33 cadernos), e foi até onde sua saúde permitiu. Nesses escritos não tratou apenas de um assunto: falou de filosofia, política, exercícios
de tradução, critica literária. Todo esse trabalho não teve esquema prévio, sendo tais temas apesentados de forma fragmentada, descontinuada.

Apesar de tudo, manteve grande coerência e manifestou certeza amadurecida de seus pontos de vistas e conceitos. Cabe aqui mencionar que sua obra é de complexo entendimento, com mensagens criptografadas, cheias de eufemismos e metáforas, que deixam muitas vezes difícil a tarefa de decifrá-lo. Aliás, as interpretações podem ser um recurso utilizado para apenas insinuar o real significado de seu pensamento, o que o transforma em “enigmático” para o leitor leigo e para o sensor adverso; recursos esses que são comuns em ações de contra-inteligência e desinformação. Tudo isso faz dos textos de Gramsci não destinado a leigos, mas escritos para ele mesmo e a toda elite intelectual orgânica como lição política. Talvez por essa “dificuldade de entendimento” seja tão adorado pela “intelligentsia” tupiniquim.

Quando de sua morte, sua cunhada e destinatária de sua obra no cárcere, Tatiana Schucht, remeteu os “cadernos” para Moscou, onde chegaram às mãos de seu “camarada”, o comunista Palmiro Togliati. Togliati examinou cuidadosamente o material, e verificou certas originalidades, porém de certa forma discordantes do marxismo-leninismo (que era na época o dogma da Internacional Comunista Soviética). Somente após a II Guerra Mundial, Togliati pôde retornar seu projeto de publicação, que foi finalmente posto em prática em seis volumes, saídos em sequencia, de 1948 a 1950 (conhecida como “edição temática” de Togliati), colocando assim o pensamento de Gramsci à disposição da “intelectualidade” mundial.

Em 1962, foi projetada nova edição, já pelo Instituto Gramsci, publicação essa dada a Valentino Gatarrama, trabalho finalizado em 1975 agora em quatro volumes (“edição crítica” de Gatarrama). No Brasil, já em 1962, ocorreram as primeiras iniciativas para uma tradução para nosso idioma, ocorrendo de fato partir de 1966. Houve então quatro volumes a disposição dos “pensadores nacionais” (quatro volumes dos seis da edição temática italiana). Reparem nos períodos: foi exatamente durante o governo militar, nas barbas dos oficiais, que esse material todo foi traduzido à tona no Brasil, ficando na década de 70 à disposição dos “gênios” nacionais.

É chique ler o “dicionário” de Gramsci, e a “esquerda caviar” apropriou-se de sua estratégia. Isso nos vitima até os dias de hoje.

Mas qual o cerne de sua teoria? Basicamente: “não mudaremos nem faremos revoluções armadas, mas mudanças lentas e consistentes no comportamento da sociedade. Com isso será fácil implodi-la por dentro, sem piedade, sem compaixão. Recrutaremos nas suas fileiras os melhores soldados, os soldados que lutarão sem saber na guerra cultural”.

Esse é um conceito bem simplificado do que Gramsci chamou de “guerra de posição”: em vez de realização de um assalto direto ao estado (como exemplo fez Lenin, na URSS ), a “manobra” proposta por Gramsci era de “envolvimento” com o primeiro, com o objetivo de conquistar: “A sociedade burguesa não será superada, mas destruída e substituída na transição para o socialismo, por uma nova sociedade, igualitária e “consensual”.

Fundamental é entender o conceito de hegemonia desenvolvido por Gramsci: condição ou capacidade de influencia e de direção politica e cultural que, por intermédio de organismos sociais voluntários (aparelhos privados de hegemonia), um grupo social exerce sobre a sociedade civil, que esta exerce sobre a sociedade política (Estado) que o partido da classe exerce sobre o todo processo revolucionário, sobre a Sociedade Civil e sobre a Sociedade Política.

A hegemonia, assim, é uma prática em três esferas diferentes: de início, em um grupo social que age sobre a sociedade civil inteira, em contraposição ao grupo dominante. Na segunda fase, a sociedade civil “conquistada” avança sobre a sociedade política, influindo sobre ela pela direção política cultural. Por fim, a do partido sobre todo o processo revolucionário, inclusive sobre outros partidos e todos demais organizações politicas e aparelhos privados de hegemonia.

Não menos importante é o conceito estratégico de Gramsci, que visa sobretudo criar condições históricas para a sociedade comunista, nesse estágio de transição, composto de três fase:
• Primeira fase – econômico corporativa, organizar o partido das classes subalternas, lutar pelo Estado democrático e pela ampliação das franquias democráticas abrindo espaço e condições para o desenvolvimento da ação política revolucionaria; é nessa fase que
ocorre o acúmulo de forças e subversão);
• Segunda fase – lutar pela hegemonia das classes subalternas sobre a sociedade civil, tornando-a dirigente; fase caracterizada pela luta dos intelectuais orgânicos (conceito que falarei abaixo) junto as massas pela penetração cultural;
• Terceira fase – estatal, tomar o poder, impor a nova ordem e estabelecer o socialismo, etapa provisória e anterior para a passagem para o comunismo.

Mas quem são os “intelectuais orgânicos”? Eles são o “elemento dinâmico” do sistema de difusão, como educadores, transformadores da cultura e elaboradores de uma “consciência coletiva homogênea”. Cabe ressalvar aqui que existe a necessidade de uma identidade imediata entre o intelectual e a massa não só pelos meios de comunicação, mas sobre tudo no interior das organizações privadas (exatamente isso que você reparou: nas empresas!).

Especialistas de toda ordem dirão que essa é uma simplificação absurda de um pensador grandioso, que Gramsci afinal é muito mais que isso, e talvez nosso ex-presidente FHC seja um desses, uma vez que é o maior especialista em Gramsci no país. Muitos outros conceitos são trabalhados por Gramsci, dando suporte ao seu arcabouço teórico para seu objetivo final utópico, que é o comunismo. Talvez um dos conceitos mais obscuros em sua obra sejam o de “liberdade” e “democracia”, que diferem substancialmente em nossa sociedade ocidental atual, como sendo o Estado ou a condição de autonomia alcançada pelo grupo social organizado depois de sua “libertação” de uma “força que o esmaga”, representada pela estrutura que assimila o Homem e o torna passivo. Gramsci deseja conceituar “liberdade”, via de regra, como conceito cercado de muitos condicionamentos particulares – dele mesmo.
Não à toa, o esquerdismo progressista tem sua base teórica nesse italiano, uma vez que no decorrer do texto, sem dúvidas, o leitor se deparou com muitas condições que nos foram impostas aqui no Brasil, sem sabermos.

O intuito desse texto é abrir os olhos para aqueles que entendem não ser necessário o estudo dos “pensadores da esquerda”. Muito pelo contrário, se faz de suma importância conhecer seus fundamentos teóricos. Teremos assim a chance de refletir sobre seus erros, suas confusões, tautologias para, por fim, estarmos prevenidos contra qualquer tipo de “engenharia social”.

Não posso antes de finalizar o texto, mencionar a grande obra que me serviu de base, livro de compreensão simplificada escrito por de Sergio Coutinho – A Revolução Gramscista no Ocidente – A Concepção Revolucionária de Antônio Gramsci em Cadernos do Cárcere – Biblioteca do Exército. Obra qual seria injusto mencionar apenas notas de rodapé de trechos citados, uma vez que ele compõe a essência do texto.

Fábio Alves, para Vida Destra, 8 de setembro de 2019.

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