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NEM VEM QUE NÃO TEM, MACRON!

 

 

 

 

 

 

 

Dia 22 de agosto, às 22:27 h, deparei-me com uma notícia que achei bastante estranha: o Presidente da França, Emmanuel Macron, fazendo uma declaração, no mínimo, inusitada: “Nossa casa está queimando!”, referindo-se a queimadas na Amazônia.

Minha reação foi a resposta ao lado. Imediatamente percebi que o fulcro da questão não era nenhuma “preocupação ambiental” do referido político, mas o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.

Esse acordo começou a ser negociado em 22 de junho de 1999, Reunião de Chefes de Estado e de Governo da União Europeia e Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, sendo finalmente assinado em 28 de junho de 2019, em Bruxelas, na Bélgica. Foram, então, 20 anos de negociação!

O acordo prevê isenção de tarifas de produtos agrícolas, como suco de laranja, frutas e café solúvel, além de eliminação de taxas de exportação de produtos industriais. O governo brasileiro comprometeu-se a zerar tarifas para peixes, crustáceos, e óleos vegetais. Nos casos mais delicados, como carnes, açúcar e etanol, haverá cotas para o comércio. Em contrapartida, a União Europeia se comprometeu a liberar 99% do comércio de produtos agrícolas para os países membros do Mercosul. Em breve resumo, para 81,7% dos produtos, haverá eliminação de tarifas, e, para 17,7%, serão aplicadas cotas e outras formas de tratamento preferencial.

Ocorre que esse acordo incomodou profundamente à França. Nos dias que se seguiram à assinatura do acordo, houve protestos de agricultores e ambientalistas franceses. Houve protestos generalizados, por toda a França, e em 10 de julho último, Macron, por sua porta-voz, declarou haver “interrogações legítimas” a respeito do Tratado.

Pois bem. Como uma vez disse James Carville, “It’s the Economy, stupid!”… As razões de toda a histeria atual têm como pano de fundo justamente os produtos agropecuários brasileiros.

O comparativo entre as agriculturas brasileira e francesa não me deixam mentir. Nossos produtos agropecuários são imbatíveis no mercado internacional, e a França tem uma agricultura amplamente subsidiada, com muito menos produtividade. E isso é mais dramático no caso da carne.

A princípio, pelas altas latitudes: o inverno é longo e rigoroso. O tempo de pastagem do gado é curto, não mais que 7 meses. Aliás, essa é a sazonalidade de lá, na pecuária: o gado pasta durante 7 meses, e fica 5 confinado. Com isso, o gado de corte é abatido aos 6 meses, com 350 kg. Aqui no Brasil, o gado é abatido entre 30 a 48 meses, com peso entre 400 a 600 kg. O preço da arroba, lá, é de cerca de € 164,00, o que equivale a R$ 738,00, ao passo que no Brasil o preço da arroba do boi gordo está em R$ 156,00, ou seja, a carne francesa é 4,7 vezes mais cara que no Brasil. O produtor francês recebe €250 por bezerro nascido, o equivalente a R$ 1.125,00. Aqui no Brasil, nenhum produtor recebe valor algum do Governo por bezerro nascido. Ao contrário, se dormir no ponto, a tributação leva uma parte do plantel! Se vier com multa, leva os bezerros todos!

No caso da agricultura, outro problema da França é que a maior parte das áreas plantadas com grãos e cereais (inclusive beterraba, da qual provém o açúcar europeu) ficam no norte do país, onde o inverno é mais longo. Os períodos de semeadura e colheita são muito menores que aqui no Brasil.

Enfim, com tantos reveses geográficos, na França as reservas florestais obrigatórias nas propriedades rurais são de 3% da área total. Aqui no Brasil, essas reservas legais variam de 20 a 80% da área do imóvel! Em consequência, na França, as propriedades rurais ocupam 50,61% do território nacional. Aqui no Brasil, as áreas utilizadas em agropecuária ocupam 7,8% do território nacional. Se subíssemos essa parcela para 10%, os franceses estariam mais aterrorizados que já estão.

Com tudo isso, a França gasta, anualmente, cerca de €385 bilhões, entre agricultura, pecuária e comercialização de produtos agropecuários, em subsídios! Isso equivale a R$ 1.732.500.000.000,00, ou para simplificar, R$ 1,7 trilhão! Em maio de 2018, a CAP (Common Agriculture Policy) da União Europeia sugeriu a diminuição desses subsídios, já que essa política tem sido responsável pelo encarecimento dos alimentos lá, assim como pela manutenção de grupos ineficientes, protegidos por trás do discurso de “setor estratégico”, mas a França considerou isso “inaceitável”.

O que fica patente é que caso os produtos brasileiros entrem no mercado europeu, a França vai se ver em sérias dificuldades. Ou se adapta, ou ganha mais eficiência, ou quebra. E eles gostam de dizer que são o “celeiro da Europa”.

Exatamente por isso, Macron precisava desesperadamente de um mote, para atacar o acordo. E tal mote foram as queimadas na Amazônia.

Mas Macron mentiu descaradamente sobre isso!

Primeiro, por conta da foto que usou: esta, foi feita pelo fotógrafo Loren MacIntyre, da Revista National Geographic, que morreu em 2003!

Ou seja, é uma foto bem antiga…

Mais ainda: chamou a Amazônia de “nossa casa”! Isso enfureceu a maioria do povo brasileiro. Ou, pelo menos, quem tem um pouco de patriotismo no peito, ainda.

Por outro lado, considerando uma imagem atual dos focos de queimada no Brasil, veiculada pela AFP (Agence France Presse) e que proveio do FIRMS (Fire Information for Resource Management System) da Nasa, vemos os seguintes focos de queimadas no Brasil, em 22 de agosto de 2019:

Ora, de acordo com essa imagem, divulgada pela imprensa francesa, os focos de queimadas, ou incêndios florestais, situam-se majoritariamente FORA da Amazônia. Na verdade, esses focos de incêndio atingem outros países, como Bolívia, Paraguai e Argentina, com muitos focos na região de Cerrado, aqui. E os incêndios no Cerrado são sazonais! Veja-se, ademais, que os focos de fogo que atingem a região da Amazônia concentram-se ao sul, na região fronteiriça com o Cerrado, de um lado, e o semiárido, do outro. Para facilitar a compreensão, veja-se ao lado o mapa do Brasil, com seus diversos biomas.

Aliás, muitos desses focos de incêndio que estão atingindo as fraldas sul da Amazônia, devem decorrer, ou estar conectados, justamente dos incêndios sazonais do Cerrado, devido ao clima seco de agosto.

 

Leonardo di Caprio e Maddona, também usaram fotos antigas. E aqui no Brasil, um monte de gente (uma caterva, a bem da verdade), aplaudindo essas “celebridades”. São pessoas que querem derrubar o prédio, porque não gostam do síndico. Ininteligível, incompreensível…

 

Mas, a partir daí, foi uma verdadeira festa: Cristiano Ronaldo usou uma imagem do Rio Grande do Sul, como se fosse a Amazônia.

De toda forma, houvesse tantos focos de incêndio, o certo é que neste momento, com a chegada das chuvas à Região Norte, eles devem estar extintos. Como sói acontecer ano após ano, aliás, lá chove, torrencialmente.

À tarde do dia 23 de agosto, praticamente em confissão de suas reais intenções, Macron fez nova postagem. Acusou Bolsonaro de ter mentido no encontro do G-20 no Japão, quando este minimizou as preocupações com as mudanças climáticas globais, e também votar contra o acordo UE-Mercosul, caso o Brasil não respeite seus “compromissos ambientais”.

Para qualquer bom entendedor, fica óbvio que não há preocupação alguma com meio ambiente! O que Macron está procurando é uma forma de barrar esse acordo, que pode ser realmente muito danoso para a agropecuária na França.

Por fim, os passos que devemos tomar é tentar, a todo custo, a preservação do acordo UE-Mercosul. O jogo que Macron está fazendo é sujíssimo, mas pelo menos uma coisa aconteceu de bom nisso: ao invés de ficar quieto e manter o discurso de “defensor do meio ambiente” até a reunião do G-7, que ocorrerá em Biarritz, na França mesmo, nos próximos dias 24 a 26 de agosto de 2019, Macron já praticamente mostrou o que pretende: obstar o acordo UE-Mercosul. Nesse mesmo desiderato, a ele se reuniu a Irlanda, outro país de economia fortemente agrícola, na Europa – mas a Irlanda NÃO faz parte do G-7. Dos demais membros do G-7 (Alemanha, Reino Unido, Itália, Canadá, Japão e EUA), apenas os europeus podem causar reais danos ao acordo. E não parece que Alemanha, Reino Unido e Itália queiram se opor ao acordo, ou pelo menos, até o fechamento deste artigo, não obtive nenhuma notícia nesse sentido.

No mais, essa questão de “intervir na Amazônia”, creiam, não irá acontecer. Todo o mundo está vendo, na verdade, que a França está de joelhos, implorando para que preservem sua arcaica, ineficiente e subsidiada agricultura. Não haverá nada além de ameaças, bravatas, esperneio e, ao fim desse teatro todo, um pedido de misericórdia, para que haja cotas maiores para a carne bovina brasileira, por exemplo, aliado a um período mais ou menos longo de introjeção dos produtos brasileiros no mercado francês, em particular. Ou seja, o que a França quer mesmo obter, no fim, é para irmos pondo aos pouquinhos, e devagarinho…

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Nunes
Admin
5 anos atrás

Um artigo que merece ser emoldurado! Como sempre uma análise fria e antecipada da situação. Quem acompanhou seus tweets, sabe.

Rezende
Rezende
5 anos atrás

Nem sempre é a melhor defesa é o ataque. O ataque, em tempo, pode ser um tiro no pé.

Nunes
Admin
Reply to  Rezende
5 anos atrás

Correto, depende muito do contexto a ser explorado.