Está chegando aquele período do ano no qual a gente dá uma folga na academia, fecha os olhos para o ponteiro da balança e jura que vai voltar para os exercícios e para a dieta logo na segunda-feira seguinte, depois de devorados os sobrados do Ano Novo. É a fase em que nos entregamos à comilança e ao puro sincretismo. Sabem por quê? Vou contar.
Assim como a luxúria é perdoada na festa pagã do Carnaval, nas Festas de fim de ano quase esquecemos Jesus e levantamos libações a Baco, sendo a gula tolerada por todos, menos pelas nossas roupas. Aliás, nessa época, também a vaidade é permitida e não são poucos os que compram vestimentas para presentear no Natal ou entrar o novo ano com as peças nas cores recomendadas por astrólogos, magas, magos e esotéricos em geral. Afinal, é quando se comemora Mitra e o Sol Invictus e o renascimento de Osisis por obra e graça de Isis. É um período de festas e, nas festas, é prudente dar um trato no visual, fazendo uma visita aos Shoppings e aos salões de beleza. Além disso, não podemos esquecer a troca de presentes e os presentes das crianças, mesmo que não seja exatamente o dia de Krampus e São Nicolau, mas do velho barbudo e gordo da Coca-Cola. Por conta disso, vamos lembrar-nos dos presentes dados ao longo do ano todo ao pagarmos as faturas dos cartões de crédito.
A gente sempre se prepara para se emocionar no Natal, enchendo nossos corações de bons sentimentos e recebendo os parentes que só vemos nos enterros e nessas ocasiões e fazendo de conta, com sorrisos ensaiados, que tudo foi esquecido e perdoado. E, no Ano Novo, essa festa de obrigatória alegria, de riso fácil, muita bebedeira e esperança de um ano melhor, é um período de perdão e gratidão, principalmente por ser quase um compromisso que, felizmente, acontece apenas uma vez ao ano. Os votos são sempre de felicidades, paz, saúde e muita prosperidade no ano que se inicia. Por sorte, neste ano não há horário de verão e não teremos que repetir as formalidades também uma hora mais tarde, cantando “Muito dinheiro no bolso, saúde prá dar e vender”. Ufa! Ainda bem que é só uma vez ao ano, não é?
O espaço aqui é sobre culinária, mas nada pretendo escrever. A gente já sabe que no Natal vai ter frango ou chester com farofa, arroz e batatas coradas com alecrim ou, se o orçamento permitir, vai ter peru recheado com farofa de castanhas, saladas e várias sobremesas, além das frutas de época, frescas e secas, sem esquecer-se das nozes, avelãs e amêndoas. Não poderá faltar panetone, com ou sem uva passa que surge como mágica na farofa, no arroz, nas saladas, na maionese… Aliás, sempre achei que as receitas das Festas nada mais são que lobby bem feito dos produtores de uvas passa.
Também sabemos que no Ano Novo vai ter pernil assado, tender ou um prato de peixe que poderá ser o bacalhau ou a tainha recheada. Claro, não vai faltar um prato de lentilhas cozidas para ser comido junto com sete bagos de uva, exatamente na passagem do ano, enquanto se tenta manter alguma dignidade ao abrir uma garrafa de espumante pulando numa perna só, para entrar o ano de pé direito. Mas quem estiver na praia na passagem do ano, vai se vestir de branco, pular sete ondas e fazer uma oferenda à Iemanjá usando no pescoço uma medalha com a estrela de Davi e outra com um Pentagrama, só para garantir. Afinal, por que acender velas apenas aos santos católicos? Com tudo isso, a boa sorte estará garantida, por via das dúvidas.
Sempre me perguntei o porquê se come aves no Natal e cabrito, peixe ou leitões no Ano Novo. Foi minha sábia avó, quando viva, quem esclareceu: aves ciscam para trás e afastam a boa sorte no Ano Novo. Por isso devem ser evitadas na passagem do ano para a gente se proteger contra a má sorte, para que tudo vá para frente e não para trás. No ano Novo é quando se come animais que se movem para frente, pois isso só vai atrair progresso, força e boa fortuna. Com certeza, comer leitão nessa ocasião, também é um ato de devoção a Santo Antonio do Amarante, aquele que é formador do pau de pinho e que nos dará durante o ano a força e vigor que o porco tem no focinho, pois adquirimos as virtudes daquilo que comemos. Confere?
Simpatias? Superstição? Que nada! Funciona mesmo. Se não, por que quase todo mundo faz?
Bem, é melhor terminar por aqui, desejando a todos e todas que leram esta crônica – que pretendeu ser bem humorada – um Feliz Natal, um Próspero Ano Novo, Paz Profunda aos Fraters e Sorores,um TFA aos Irmãos, com as bênçãos de D’eus e de Alah.
Saravá, Amém.
Laerte A. Ferraz, para Vida Destra, 19/12/2019.
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