Prezados leitores:
Publicamos hoje a sexta parte deste excelente material produzido pelo economista Lívio Oliveira, que trata de forma didática e detalhada, da questão da autonomia/independência do Banco Central.
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Parte I Parte II Parte III Parte IV Parte V
Continuação:
5. AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL : CONTEXTUALIZAÇÃO DO CASO BRASILEIRO
Desde a sua criação, em 1964, até meados da década de 1990, período de implantação do Plano Real, o Banco Central do Brasil (BACEN), historicamente, foi submetido aos objetivos da política macroeconômica do governo federal, com um grau de autonomia relativamente baixo, variável e dependente da orientação do ministro da Fazenda. E nem sempre a estabilidade de preços colocou-se como meta prioritária a ser perseguida pela autoridade monetária. Em diversos momentos os objetivos da política econômica foram outros, tais como ajustes de diversos tipos (orçamentário, cambial e do balanço de pagamentos) ou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), principalmente através de políticas monetárias ativas. Muitos governantes tinham o BACEN como mero apêndice do Tesouro. Tornou-se conhecida uma frase dita pelo ex-presidente Artur da Costa e Silva, em resposta à cobrança, feita por um dos integrantes da então equipe econômica, sobre a responsabilidade do BACEN em zelar pelo valor real da moeda e que, para isso, seria necessário que este tivesse autonomia em relação ao governo. O comentário de Costa e Silva, que acabou, à época, com qualquer pretensão de independência do BACEN, foi curto e grosso: “O guardião da moeda sou eu”.
A partir da Constituição de 1988, com o artigo 164, o BACEN, definido como uma autarquia de tipo especial, foi legalmente impedido de financiar direta ou indiretamente o Tesouro, ficando, em teoria, menos dependente do Executivo Federal. Contudo, essa maior autonomia não se verificou na prática. O dispositivo constitucional sobre a questão foi considerado deficiente, por se omitir em relação a questões fundamentais, como duração do mandato dos dirigentes do banco central, disciplina do sistema financeiro e repasse de lucros. Até 1987, estes eram incorporados ao orçamento do próprio banco. Desde então as receitas de senhoriagem, isto é, ganhos pelo monopólio da emissão de moeda, e os lucros do BACEN passaram a ser transferidos ao Tesouro, o que muitos teóricos viam como financiamento direto ao governo. Essas transferências continuaram significativas até à implantação do Plano Real em 1994, quando, a partir daí, são praticamente anuladas. Em contrapartida, a medida provisória 1.789 estabeleceu como regra que os resultados negativos do BACEN seriam transferidos para o Tesouro de forma automática. Como o BACEN tinha sofrido prejuízos de cerca de R$ 21 bilhões (em valores de dezembro de 1999) com a política de defesa do câmbio sobrevalorizado desde a implantação do real, o Tesouro foi obrigado a assumir essa perda. Essa matéria foi regulada de modo definitivo pela Lei de Responsabilidade Fiscal, instituída pela Lei Complementar Nº 101, de 4 de maio de 2000.
Após a implantação do Plano Real houve, efetivamente, um maior grau de autonomia do BACEN e uma queda acentuada na taxa de inflação. Autores como Rigolon (1997) analisaram como determinante a conquista dessa autonomia, pela autoridade monetária, para o controle da inflação e o declínio da variabilidade dos índices de preços. Segundo Rigolon, a maior independência tornou o BACEN relativamente imune às pressões políticas, o que lhe permitiu concentrar-se efetivamente na busca da estabilidade dos preços. Isso teria contribuído para reduzir as incertezas dos agentes e a redução das expectativas inflacionárias. Outros autores, no entanto, como Mendonça (1998), embora reconheçam a relação entre maior independência do BACEN pós-Real e reversão das altas expectativas de inflação, atribuíram a menor variabilidade inflacionária principalmente ao realinhamento de preços proporcionado pela URV, e posteriormente, a adoção do real com âncora cambial. Sob regime de câmbio fixo, o estoque de moeda tornou-se uma variável endógena e a política monetária sofreu restrições decorrentes da política cambial. Entre março e junho de 1995, foi implantado o sistema de bandas cambiais.
Num primeiro momento após a implantação do Real, o BACEN perseguiu uma política de metas quantitativas trimestrais de crescimento para os agregados monetários, através de lei. A partir de 1995, com a Lei n° 9.069, de 29 de junho de 1995, o BACEN assumiu a responsabilidade de fixar estas metas, que eram encaminhadas ao Conselho Monetário Nacional, e posteriormente ao Congresso Nacional. Com esse dispositivo legal, o BACEN adquiriu uma independência tanto de metas como de instrumentos, como a preconizada por Rogoff. Durante o período em que vigorou essa política de metas, a expansão dos agregados monetários ocorreu de acordo com as projeções estimadas pela programação do BACEN, o que conferiu maior credibilidade à instituição quanto ao controle inflacionário. No entanto, após a queda da inflação, alguns bancos importantes, como o Econômico e o Nacional, começaram a enfrentar várias dificuldades de adaptação à nova realidade, correndo risco de insolvência. Assim, no final de 1995, o objetivo do controle de preços pelo BACEN ficou subordinado à manutenção da estabilidade do sistema financeiro brasileiro, através do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer), onde o BACEN atuou como emprestador de última instância.
Em 20 de junho de 1996, foi instituído o COPOM (Comitê de Política Monetária), com a atribuição de definir o escopo da política monetária, através da fixação da taxa de juros básica de curto prazo. O objetivo foi o de conferir maior transparência e melhor qualidade ao processo decisório da autoridade monetária, tendo como paradigmas o Federal Open Market Committee (FOMC) do FED e o Central Bank Council do Deutsche Bundesbank (Banco Central da Alemanha). Desde a sua criação, o Regulamento do COPOM tem passado por alterações, com o objetivo de acomodar as mudanças na condução do regime monetário. Com o Decreto no 3.088 em 21 de junho de 1999, foi instituída a sistemática de “metas para a inflação” como balizadora da política monetária. A partir daí, o Conselho Monetário Nacional passou a definir as metas e o COPOM, através da taxa SELIC (taxa média dos financiamentos diários, lastreada em títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia), se responsabilizou em perseguir as metas fixadas. Caso estas não fossem alcançadas, o Presidente do Banco Central teria a obrigação de divulgar, em carta aberta ao então Ministro da Fazenda (atualmente Ministro da Economia), as razões do descumprimento, assim como as medidas a serem tomadas para o retorno às metas inflacionárias estipuladas.
A política de metas de crescimento para os agregados monetários foi abandonada pelo BACEN devido às sucessivas crises enfrentadas pela economia mundial. Para tentar debelar os efeitos dessas crises, principalmente a fuga de capitais, o BACEN passou a adotar uma política de curto prazo de altas taxas de juros. Isso permitiu a atração de grandes fluxos de capitais, principalmente de curto prazo, que resultou em uma sobrevalorização acentuada do real frente ao dólar. No entanto, após a crise da Rússia, em 1998, e o subsequente ataque especulativo ao Brasil, a política de bandas cambiais foi abandonada em janeiro de 1999, e o real passou a flutuar livremente. Com o colapso do regime cambial, em junho do mesmo ano o BACEN adotou a política de metas inflacionárias, através da qual passou a sinalizar ao mercado o seu compromisso com a estabilidade de preços, por meio da âncora nominal. Nos primeiros meses de vigência, tal política revelou-se bastante consistente, pela comparação entre a inflação efetiva e a projetada. Mas a partir de 2001, devido a uma série de fatores externos e internos, a meta foi extrapolada. Por isso, em 2002 foi adotado o sistema de metas ajustadas de inflação, através do qual o BACEN se propôs a acomodar os choques exógenos, isto é, que não estão sob controle da autoridade monetária, à política de fixação da taxa SELIC. Tal iniciativa teve como objetivo incorporar os choques de oferta às expectativas dos agentes, procurando medir o custo de se alcançar as metas anteriormente fixadas, dentro do prazo estipulado, em termos de perda de crescimento econômico.
Continua no próximo artigo!
Lívio Oliveira, para Vida Destra, 22/03/2021. Sigam-me no Twitter! Vamos debater o assunto! @liviololiveira
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Livio, queira por favor desbloquear seu Twitter. Agradeço pela consideração e amizade..
O investidor sempre foge da insegurança, não quer perder nenhum centavo.
O STF vem atrapalhando o crescimento do Brasil porque está tomando decisões muito além de suas atribuições, interfere na nomeação de Ministros do Governo Federal. O STF se constituiu num fator de grande insegurança jurídica, pois é useiro e viseiro em interferir em áreas que não são de sua competência. Um abraço!
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