Foi entregue, em 6 de dezembro de 2022, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o relatório final com mais de 900 páginas, elaborado pela Comissão de Juristas encarregada da regulamentação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil, conforme notícia da Agência Senado de 6 de dezembro de 2022.

Após 240 dias de trabalho, a Comissão apresentou uma minuta de substitutivo, com pouco mais de 40 artigos, a ser apreciada pelos senadores e deputados, a partir dos Projetos de Lei (PLs): PL 5051/2019 – Princípios para uso da IA no Brasil, de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN); PL 21/2020 – Estabelece princípios, direitos e deveres para uso da IA no Brasil, do deputado Federal Eduardo Bismarck (PDT-CE); e PL 872/2021 – Marcos éticos e diretrizes que fundamentam o desenvolvimento e uso da IA no Brasil, do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).

Entretanto, houve pouco caso e muita passividade do então presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, com tão árduo trabalho de regulamentação da IA pela Comissão de Juristas. É premente que a eleição de um novo presidente da Casa Alta, como possivelmente o senador Rogério Marinho, coloque de pronto tal matéria, atendendo aos anseios da população.

A priori, torna-se imprescindível trazer a definição de IA, utilizada pela Comissão de Juristas com base no PL 5051/2020. Sistemas de Inteligência Artificial: o sistema baseado em processo computacional que pode, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo homem, fazer previsões e recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais.

Segundo a exposição de motivos da IA pela Comissão de Juristas, esta lei viria oxigenar o cenário atual, a exemplo de outras leis sobre tecnologia e inovação, como a Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet e a Lei 13.709/2018 — Lei Geral de Proteção de Dados. Ambas são normas reconhecidas nacional e internacionalmente não apenas quanto ao seu conteúdo, mas também quanto à sua forma de elaboração inclusiva e permeável à participação pública e do cidadão.

Indago, quanto ao Marco Civil da Internet, este aspecto de participação pública, uma vez que se tornou omisso das Autoridades Públicas a responsabilização dos provedores de serviços de Internet, no que concerne à função desempenhada pelos Editores dos Usuários, fato que inclusive já abordei em artigo no Vida Destra, que você encontra aqui.

O futuro PL da regulamentação da IA tem como finalidade estabelecer princípios, regras, diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e aplicação da IA no país. No entanto, abrange um duplo objetivo: 1) estabelecer direitos para proteção do elo mais vulnerável em questão, qual seja, a pessoa natural que já é diariamente impactada por sistemas de inteligência artificial, desde a recomendação de conteúdo e direcionamento de publicidade na Internet até a análise de elegibilidade para tomada de crédito e para determinadas políticas públicas; 2) dispor de ferramentas de governança e de um arranjo institucional de fiscalização e supervisão, criar condições de previsibilidade acerca da sua interpretação, e, em última análise, segurança jurídica para inovação e desenvolvimento econômico-tecnológico.

Diante do primeiro objetivo, gostaria de questionar se não seriam banidas das plataformas práticas como a da empresa Partners Comunicação Integrada, contratada pela Justiça Eleitoral, para monitorar as redes sociais, como denunciado pelo vereador da Câmara Municipal de Curitiba (PR), Rodrigo Marçal, no Twitter. De igual modo, no aspecto de publicidade, se agentes de inteligência artificial, como o Sleeping Giants, teriam permissão para atuar nas redes sociais. E, por último, se seria permitido a prática de social scoring (que conceituo mais adiante.

A minuta do PL de IA contempla o estabelecimento de alguns fundamentos para o uso da inteligência artificial no Brasil, tais como o desenvolvimento tecnológico e a inovação, a livre iniciativa, a livre concorrência e o respeito aos direitos humanos. Também foram preceituados objetivos que visam, por exemplo, a promoção de pesquisa e desenvolvimento de uma pesquisa, e do desenvolvimento de inteligência artificial livre de preconceitos, e da competividade e aumento da produtividade brasileira.

Imediatamente voltamos a perguntar como será possível o desenvolvimento de pesquisas em IA diante do fato de que o novo governo adota a filosofia de corte de R$ 4,2 bilhões para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico nas Universidades?

Torna-se imperioso, segundo a Comissão de Juristas, a observação de marcos regulatórios já disponíveis para fins de abordagens setoriais. Quem melhor que a ANVISA para avaliar o uso de IA em medicamentos? Quem melhor que o Banco Central para tratar de questões do mercado bancário? Ou que a ANAC para tratar de questões relacionadas à aviação?

Entre os direitos das pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial, arrolamos os seguintes:

I – direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial;

II – direito a explicação sobre decisão, recomendação ou previsão tomada por sistemas de inteligência artificial;

III – direito de contestar decisões ou previsões de sistemas de inteligência artificial que produzam efeitos jurídicos ou que impactem de maneira significativa os interesses do afetado;

IV – direito à não discriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos, indiretos, ilegais ou abusivos; e

V – direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, nos termos da legislação pertinente.

Contempla-se uma dosagem proporcional da intervenção regulatória às externalidades negativas de um sistema de inteligência artificial, como as chamadas hipóteses de risco excessivo. Neste particular, veda-se situações de uso da tecnologia, por estarem em jogo direitos inegociáveis, como é o caso da indução de comportamento lesivo à segurança e integridade física e, em sentido amplo, prejudiciais à autodeterminação, como nos casos do chamado social scoring, que é o ranqueamento e a atribuição de notas universais para acesso a bens e serviços e políticas públicas.

Vislumbro aqui, entre as práticas diabólicas deste social scoring, tanto as cartelas automatizadas  de fornecimento de carne, com a qual o cidadão foi limitado pelo estado asiático durante a pandemia, bem como a implantação do QR CODE intraderme, imaginado por Bill Gates para limitar o acesso a bens sociais para quem não tivesse sido imunizado.

Para tanto, a Comissão de Juristas considerou os sistemas de identificação biométrica à distância, de forma contínua e em espaços acessíveis ao público, de elevada periculosidade, passando a depender de lei federal específica.

Quanto à responsabilização civil, optou-se por um regime que abranja o fornecedor e o operador de sistema de IA, evidenciando que sempre que algum desses agentes causar dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, este será obrigado a repará-lo integralmente, independentemente do grau de autonomia do sistema.

No tocante à avaliação de impacto do algoritmo de sistema de inteligência artificial, isto é obrigação dos agentes de inteligência artificial sempre que o sistema for considerado como de alto risco, assegurando assim a transparência no uso das ferramentas computacionais que possam induzir à tomada de decisão ou atuar sobre as preferências dos usuários.

Consideram-se as seguintes infrações administrativas cometidas às normas previstas na minuta do PL do IA, a serem aplicadas aos agentes de IA pela autoridade competente:

I – advertência;

II – multa simples, limitada no total a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), por infração, sendo, no caso de pessoa jurídica de direito privado, de até 2% (dois por cento) do seu faturamento, de seu grupo ou conglomerado no Brasil no último exercício, excluído os tributos;

III – publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;

IV – proibição ou restrição para participar de regime de sandbox regulatório – é um ambiente regulatório experimental, criado com a finalidade de suspender temporariamente a obrigatoriedade de cumprimento de normas exigidas para atuação em determinados setores, permitindo que empresas possam usufruir de um regime diferenciado para lançar novos produtos e serviços inovadores no mercado, com menos burocracia e mais flexibilidade, mas com o monitoramento e a orientação dos órgãos reguladores — previsto nesta Lei, por até 5 anos;

V – suspensão parcial ou total, temporária ou definitiva, do desenvolvimento, fornecimento ou operação do sistema de inteligência artificial.

Conforme a minuta do PL de IA, é salutar que os agentes de inteligência desenvolvam códigos de boas práticas e de governança, de forma a se criar um ambiente seguro para os usuários que exigem transparência, ética e respeito aos direitos fundamentais; mas também para o poder público, desenvolvedores e o setor produtivo poderem inovar em um terreno mais sólido, com a devida segurança jurídica.

Enfim, é de extrema valia a implementação urgente da regulamentação da inteligência artificial pelo Congresso, de modo que se inibam algoritmos e práticas de riscos excessivos nas plataformas digitais.

 

 

Luiz Antônio Santa Ritta, para Vida Destra, 25/01/2023.
Sigam-me no Twitter! Vamos debater o meu artigo! @LuizRitta

 

Receba de forma ágil todo o nosso conteúdo através do nosso canal no Telegram!

 

As informações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de seu(s) respectivo(s) autor(es), e não expressam necessariamente a opinião do Vida Destra. Para entrar em contato, envie um e-mail ao contato@vidadestra.org
Subscribe
Notify of
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments