A violenta morte da menina Alice Pamplona da Silva de Souza, 5 anos, que morava na localidade conhecida como Raia, no Morro do Turano, Rio de Janeiro, chocou o país. O assassinato se deu na madrugada do dia 1º de janeiro de 2021, enquanto a família estava assistindo a queima de fogos, no quintal da própria casa.
O histórico de crianças mortas por balas perdidas no Rio de Janeiro é realmente trágico. No período compreendido entre 2007 e 2019, 68 crianças foram assassinadas assim, nos 18 municípios que compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro – uma média de 5,17 crianças por ano, nos 12 anos em tela.
Especificamente no ano de 2019, foram 6 crianças mortas na região.
Em 14 de fevereiro daquele ano, Jenifer Cilene Gomes, 11 anos, estava sentada na porta de casa quando foi baleada no peito, vítima de tiroteio entre policiais à paisana e traficantes, na comunidade Vila Nova Jerusalém, bairro da Triagem, Zona Norte do Rio de Janeiro.
Em 16 de março, Kauan Peixoto, 12 anos, foi baleado 3 vezes, também durante um confronto entre policiais e traficantes, na comunidade da Chatuba, Nilópolis, RJ.
Em 10 de maio, Kauã Rozário, 11 anos, morreu também baleado durante um tiroteio entre policiais militares e criminosos, na Vila Aliança, Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
No dia 8 de setembro, Kauê Ribeiro dos Santos, 12 anos, morreu baleado na cabeça, também em um confronto entre policiais militares e criminosos, na comunidade da Chica, no Complexo do Chapadão, Zona Norte do Rio de Janeiro.
No dia 20 de setembro, Ágatha Vitória Sales Félix, 8 anos, morreu baleada nas costas, dentro de uma kombi, a caminho de casa, na comunidade da Fazendinha, Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro – também em um confronto entre policiais militares e criminosos, segundo a versão da PMRJ. Os moradores, contudo, afirmaram que não houve tiroteio, mas 2 disparos efetuados por um PM contra um motociclista que passava na rua.
Em 12 de novembro de 2019, Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, 5 anos, estava indo para a escola de bicicleta, com a mãe, quando três homens encapuzados saíram de um carro atirando – e a atingiram. Nesse caso não houve ação da polícia, mas de milicianos que pretendiam matar um outro criminoso do local, Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Essa horripilante sina continuou no ano de 2020, com um detalhe mais assustador: o número dobrou. Foram 12 crianças mortas por balas perdidas no último ano.
No dia 10 de janeiro, Anna Carolina de Souza Neves, 8 anos, foi baleada enquanto estava sentada no sofá de sua casa, no Parque Esperança, bairro de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Não havia operação policial no local naquele dia – os disparos foram efetuados por criminosos da região. Aliás, a menina foi socorrida justamente pela Polícia Militar, acionada pelo pai da menina, que a carregou até uma viatura.
No dia 2 de fevereiro, João Vitor Moreira dos Santos, 14 anos, voltava de uma festa de aniversário, de uma prima que completara 2 anos, quando foi baleado na cabeça, na Vila Kosmos, Zona da Leopoldina, região histórica na Zona Norte do Rio de Janeiro. Não havia, também nesse caso, nenhuma operação policial na hora e local dos fatos.
No dia 6 de fevereiro, Luz Antônio de Souza Pereira da Silva, 14 anos, saía de um consultório psicológico com sua mãe adotiva, quando foi baleado na perna, na comunidade de Vila Ruth, em São João do Meriti, Baixada Fluminense. Foi socorrido ao Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, mas não resistiu ao ferimento. Não se sabe se houve confronto entre criminosos, ou entre criminosos e policiais, nem de onde partiu o tiro.
No dia 18 de maio, João Pedro Mattos Pinto, 14 anos, foi morto dentro de casa, durante um confronto entre policiais civis e federais e criminosos, no Complexo do Salgueiro, São Gonçalo, RJ. A casa fora invadida pelos policiais, em meio ao tiroteio.
Após esse episódio, em ação ajuizada pelo Deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), no dia 5 de junho de 2020 o ministro Edson Fachin proibiu operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro, enquanto perdurar a pandemia de COVID-19. Contudo, essa decisão parece ter piorado o quadro da tragédia carioca.
No dia 6 de junho, Douglas Enzo dos Santos Marinho foi morto em sua festa de aniversário de 4 anos, em Piabetá, distrito de Magé, RJ, por um disparo que partiu da arma de Pedro Vinícius de Souza Pevidor, 21 anos, que estava na festa.
Em 25 de junho, enquanto brincava na porta de casa, Kauã Vitor da Silva, 11 anos, foi baleado na cabeça, por um disparo acidental que partiu da arma de um outro menor, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro. Segundo os familiares da vítima, o autor do disparo teria sido aliciado pelos traficantes do local, e brincava com a arma na frente da vítima, quando atirou.
Em 28 de junho, Rayane Lopes, 10 anos, morreu durante uma festa junina na comunidade Ás de Ouro, no bairro de Anchieta, Zona Norte do Rio de Janeiro. Segundo relatos dos moradores, quatro homens desceram de um carro e fizeram disparos contra os frequentadores da festa.
Em 30 de junho, Ítalo Augusto de Castro Amorim, 7 anos, foi baleado na porta de casa, por disparos efetuados por um criminoso em uma moto, contra uma viatura policial em ronda. Não houve revide por parte dos policiais.
Também em 30 de junho, Maria Alice de Freitas Neves, 4 anos, que estava em uma festa de aniversário no bairro de Vila Isabel, Três Rios, RJ, por dois atiradores que passaram em frente ao local, em uma moto – o caso se relaciona a uma disputa dos traficantes pela região.
Em 9 de outubro, Leônidas Augusto da Silva de Oliveira, 12 anos, foi atingido na cabeça por uma bala perdida próximo da Avenida Brasil, diante da comunidade Nova Holanda, no bairro do Bonsucesso. Criminosos passaram na avenida citada, atirando contra uma viatura da PM, cujos ocupantes alegam não ter revidado.
Em 4 de dezembro, Emily Victória Silva dos Santos, 4 anos, e Rebecca Beatriz Rodrigues dos Santos, 7 anos, foram mortas por disparos que partiram de criminosos em uma moto, contra uma patrulha policial, que também alegou não ter revidado, no bairro do Barro Vermelho, Duque de Caxias, Baixada Fluminense.
Agora em 2021, já nas primeiras horas do ano, o homicídio da menina Alice, cuja foto é a capa deste artigo. Segundo moradores do Morro do Turano, os disparos partiram de um baile funk na comunidade, cujos participantes atiravam para cima, em “comemoração”.
Do todo relatado até aqui, os leitores podem perceber dois tristes fatos:
- Há mais de uma década morrem crianças por balas perdidas, no Rio de Janeiro;
- Nos últimos seis meses, desde a famigerada decisão de Fachin, esses homicídios se intensificaram.
Causa espécie que a ação que possibilitou essa intervenção (talvez inconstitucional) do ministro sobre as ações policiais no Rio de Janeiro tenha partido de um partido de esquerda e de um deputado do mesmo Estado. Um observador desavisado poderia até supor que o deputado não agiu em prol da população, mas em favor dos criminosos, que se viram livres das operações policiais e sem freios para cometer quaisquer barbáries que lhes der na telha.
Fica a pergunta, sempre incômoda: “cui bono“? Quem se beneficiou (e, por outro lado, quem se prejudicou) com a fatídica proibição?
Fábio Talhari, para Vida Destra, 04/01/2021 Sigam-me no Twitter! Este artigo é um convite ao debate! @FabioTalhari
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Li e reli seu artigo e até agora não consigo responder essa parte ” Fica a pergunta, sempre incômoda: “cui bono“? Quem se beneficiou (e, por outro lado, quem se prejudicou) com a fatídica proibição? “
Quem sempre leva ferro é a população de bem.
Ótimo artigo amigo Fábio Talhari, a realidade é que com a decisão de Fachin, o Rio de Janeiro ficou abandonado e a mercê de marginais.
Quem se beneficia? Não sei, mas imagino que não seja o povo carioca.
Infelizmente @Fábio Talhari sou de opinião de que somente com um intervenção estatal no Estado do Rio de Janeiro, com retorno das Forças Armadas, se retira o poder do STF, acabando-se com esta violência. A contragosto não poderemos emendar a Constituição.
EXCELENTE trabalho que merece ser considerado fonte de pesquisa
Infelizmente as autoridades encasteladas em Brasília são insensíveis quanto a estas perdas! Talvez sequer tomem conhecimento desta tragédia!
Quase não consigo ler até o final, acho que não tem como alguém 6 beneficiar com essas tragédias, muito triste
Parabéns, Fábio. Análise acurada, muito bem embasada em dados. Compartilho sua preocupação, mas não vejo solução por entender q os morros cariocas foram entregues à criminalidade com objetivos político-ideológico. Nesse contexto, para os Molon e Fachin, qto mais crianças morrerem, melhor para a causa, pois seus cadáveres serão explorados para denegrir e impedir as instituições de atuar. E’ a lógica revolucionária comunista.