O mundo assiste atônito à paralisação das atividades econômicas, sociais, esportivas, profissionais, em razão do coronavírus (COVID-19), popularmente conhecido como “vírus chinês”.
O apelido de “vírus chinês” é justo, aliás, pois não há praticamente mais dúvidas de que surgiu e se propagou na China, na cidade de Wuhan, província de Hubei. Também é fato que autoridades locais esconderam informações sobre a doença, contribuindo muito para que sua propagação saísse do controle e espalhasse-se pelo mundo.
O impacto da propagação do vírus está sendo brutal. Milhares de mortos, sistemas de saúde em colapso em alguns países, atividades econômicas sendo suspensas para tentar conter a difusão da doença, o que levará a milhões de desempregados, falências de micro, pequenos, médios e grandes empresários, perdas catastróficas, similares às de uma guerra.
Preocupado com sua imagem, o governo chinês recorreu a sua vasta rede de propaganda e influência (agência de notícias estatal em inglês, canal de TV a cabo em inglês, “contatos” em veículos de comunicação ocidentais etc.), difundindo boatos de que o vírus teria origem em soldados americanos. Em resposta, o presidente americano Donald Trump passou a referir-se ao vírus como “China Virus” e enfatizar sempre sua origem chinesa.
É evidente que, numa crise dessa magnitude, as grandes potências mundiais estão atuando para minimizar suas perdas, ocupar espaços e manter suas esferas de influência. A China é hoje a segunda maior potência mundial. Ainda que no plano militar a Rússia talvez seja mais forte, ainda que em termos de qualidade de vida e renda per capita a China esteja ainda em níveis subdesenvolvidos, no plano econômico e tecnológico ela é hoje uma grande protagonista, aproximando-se dos Estados Unidos.
O arranjo mundial após a queda do Muro de Berlim e do bloco soviético foi escorado na Organização Mundial do Comércio, à qual a China foi admitida em 2001. Esse sistema, baseado no livre comércio, mas com regras de exceção compensatórias para os países em desenvolvimento, teve a China como grande beneficiada. O avanço tecnológico nas telecomunicações permitiu que produção e investimentos espalhassem-se pelo mundo e transformou a China, com seus bilhões de potenciais consumidores, sua mão de obra barata praticamente sem regras trabalhistas e estabilidade política decorrente de um sistema ditatorial totalitário, na “noiva dos sonhos” de inúmeras empresas americanas e europeias, que para lá transferiram boa parte de sua produção e atividades.
A proteção à propriedade intelectual na China é problemática, o que permitiu a ela a absorção de muita tecnologia de ponta de outros países – sem pagar um centavo. Investimentos públicos em desenvolvimento levaram a China, em poucos anos, a uma posição de proa nessa área. Seus bilhões de habitantes – e, consequentemente, de informações – são matéria prima ideal para o desenvolvimento das tecnologias de “big data” e inteligência artificial.
Esse cenário permitiu décadas de enorme crescimento econômico. Ainda que os dados oficiais não sejam confiáveis – pois provenientes de uma ditadura totalitária -, o poder econômico chinês hoje é uma realidade, simbolizado pelos moderníssimos arranha-céus de suas renovadas principais cidades.
Mas não parou por aí! Os chineses saíram comprando ativos pelo mundo.
A África é hoje um continente sob fortíssima influência econômica – e, consequentemente, política -, da China. Hordas de turistas chineses viajam pela Europa, irritando os moradores, mas movimentando a indústria do turismo. Mesmo nos EUA e na Europa já existem filiais de indústrias chinesas, que passam a ter uma influência econômica sobre muitas comunidades.
Com a vitória de Trump, tudo isso passa a ser questionado. Trump tem clara percepção de que o arranjo global vigente é extremamente benéfico para a China, em detrimento dos EUA. A China é uma potência competidora, mas ao mesmo tempo, valendo-se de sua condição de país em desenvolvimento, desfruta de tolerâncias quanto à abertura de seu próprio mercado, restrições ambientais, legislação trabalhista (“dumping” social), etc.
Começa, então, uma “guerra comercial”.
Trump impõe tarifas, de forma a igualar o tratamento dado pela China (e outros países) a produtos americanos. Nas organizações internacionais (ONU, OMC), os EUA passam a denunciar a captura de órgãos por um grupo de países, entre eles China, com posições anti-americanas e anti-ocidentais. E, na condição de maior financiador dessas instituições, exige um reequilíbrio.
O Brasil é um grande fornecedor de matéria-prima e de alimentos para a China. Durante os anos PT, a ligação com a China estreitou-se. O próprio modelo econômico chinês (empresas privadas escolhidas e apoiadas pelo governo, que naturalmente acaba tendo grande influência em decisões estratégicas) foi copiado aqui, com o BNDES despejando bilhões de reais em empresas escolhidas a dedo pelo governo (as “campeãs nacionais”).
Nesse período, a afinidade ideológica do governo era com a China, deixando os americanos à distância e desconfiados. E os EUA, sob o governo Obama, pareciam subestimar o tamanho da ameaça chinesa em termos geopolíticos aos EUA, de forma que seu governo pouco ou nada fez para conter esse avanço. Hoje a China é o maior comprador de produtos brasileiros.
A eleição de Jair Bolsonaro muda o cenário. Desde a campanha eleitoral Bolsonaro pregou uma aproximação maior com os EUA. Seu discurso anticomunista desagrada e assusta a China, indo em rumo oposto à política externa da era PT e com adversários como Ciro Gomes – cujo Partido Democrático Trabalhista (PDT) alardeou publicamente a celebração de eventos e parcerias com o Partido Comunista Chinês.
Com a vitória de Bolsonaro, rapidamente EUA e Brasil aproximam-se e buscam parcerias estratégicas no campo militar e econômico. Em 2019 já houve forte aumento das importações brasileiras pelos EUA.
Quando da eclosão da crise do vírus por aqui, vários deputados, entre eles o deputado Marcel Van Hatten, do Partido Novo, apontaram a responsabilidade da China pela propagação dessa nova gripe chinesa.
Mas foi um comentário, na mesma linha de Hatten, de outro deputado, Eduardo Bolsonaro, que levou a uma resposta duríssima por parte do embaixador chinês no Brasil.
A agressividade dos termos utilizados, chegando a dizer que o deputado pegou um “vírus mental” em viagem aos EUA, não é usual por parte de diplomatas experimentados. Circulou também no Twitter uma mensagem retuitada pelo embaixador chinês, atacando grosseiramente o presidente Bolsonaro.
É difícil imaginar que a manifestação do embaixador chinês tenha sido impensada. Tampouco é crível que realmente seja o nome do vírus ou sua origem que motivou uma resposta tão agressiva. Não é difícil enxergar que a China esperava apenas uma oportunidade para atacar o presidente Bolsonaro, por ver nele um inimigo dos interesses chineses no Brasil.
Vale notar que, poucos minutos após a resposta do embaixador, políticos oposicionistas de alto calibre, como os presidentes da Câmara e do Senado, o candidato derrotado que fora apoiado pelo Partido Comunista Chinês, Ciro Gomes, Lula e outros menos cotados, correram para manifestar “solidariedade” à China e repúdio ao deputado Eduardo Bolsonaro.
Salta aos olhos que o governo chinês fez uso de toda sua máquina de influência na mídia e entre políticos para o ataque. Trata-se de um movimento que se insere na disputa comercial mundial entre China e EUA. O Brasil é um país que tem um peso importante no mundo e sua mudança de rumo (da China para os EUA) é algo que a China ainda tem esperança de reverter. Para isso, precisa neutralizar Bolsonaro, seja através de aliados no Congresso (Maia, Alcolumbre e a esquerda), seja usando sua máquina de propaganda.
Alguns analistas (ver excelente artigo “Beijing fears COVID-19 is turning point for China, Globalization”, do professor da Universidade de Stanford Michael Auslin: https://www.realclearpolitics.com/articles/2020/03/18/beijing_fears_covid-19_is_turning_point_for_china_globalization__142686.html?fbclid=IwAR2PpGPcpCgmUe_5QrDqMM2AqXwh4P3O8nhCF-ReQre45p73SetuOxJFyjc) começam a especular se a crise do vírus chinês será um ponto de refluxo para a China e para a própria globalização. Muita gente começa a questionar se é realmente uma boa ideia depender de fábricas e – mais importante – tecnologias de informação situadas e controladas por um país totalitário onde não há transparência e liberdade. Mais que isso, muita gente começa a questionar se realmente é seguro ter uma dependência tão grande do comércio internacional, viagens transcontinentais em larga escala e de decisões tomadas sem transparência em organizações internacionais controladas por burocratas não eleitos e sem qualquer controle democrático.
O impacto dessa crise mundial ainda é incerto. O impacto econômico será brutal. Mas há um impacto comportamental, psicológico e social, ainda em gestação, que poderá trazer mudanças profundas no estilo de vida das pessoas e, naturalmente, reflexos políticos importantes. Na atual disputa entre globalistas/tecnocratas e nacionalistas/democratas, talvez essa crise favoreça o lado dos nacionalistas/democratas, diante da absoluta incapacidade das instituições globais de prevenirem e lidarem com a situação, que levou inclusive a fechamento de fronteiras e interrupção de viagens internacionais. A ver.
Ricardo Peake Braga, para Vida Destra, 19/03/2.020
Sigam-me no Twitter! Vamos debater o assunto! @peakebraga
Parabéns Ricardo
Concordo integralmente com sua apreciação sobre o assunto.
Abs
Wilson Silveira
Artigo muito bom.
Coloca em palavras aquilo que temos vivenciado ultimamente. Sim, a China não é o nosso aliado dos sonhos. Se é para mudar, que o façamos agora. Mais um problema resolvido.
Muito bom artigo. Analisa o contexto com uma visão mais abrangente.
Os espanhóis devem se sentir injustiçados pelo nome de “Gripe Espanhola” referenciar uma gripe que não nasceu na Espanha, Já quanto aos chineses, estes precisam aceitar o nome informal da Covid-19 como sendo “vírus chinês”, pois ele “nasceu” na China.
Parabéns Ricardo Peak!
Excelente, pontos importantíssimos !’
Seja bem-vindo ao time Vida Destra, Ricardo Peake!
Sua cronologia dos fatos é perfeita!
A avaliação que estavam esperando uma crítica para usar a máquina do poder chinês e aliado aos inimigos de esquerda internos no Brasil, desacreditar o governo Bolsonaro, separando-o do governo Trump e, ao enfraquece-lo, dar o golpe de misericórdia, derrubando-o, é uma teoria bastante plausível em se tratando de uma potência como a China.
Sem o Brasil, os outros pequenos países como a Venezuela e Argentina são incapazes de aglutinar um movimento de peso na América Latina. O Brasil foi uma grande perda para os planos de todo o projeto da esquerda que querem retoma-lo a qualquer custo.
Parabéns pela análise estratégica!
Parabéns, Braga!! Muito bem explicado!
Parabéns Braga,
Espero que os grandes empresários ocidentais tenham a mesma visão?
Dr. Ricardo Braga, excelente explanação : de forma bem didática e cumprindo uma cronologia perfeita, esclarece a posição da China e sua determinação em fazer prevalecer sua força comercial e política frente à democracia a qualquer custo. Que o Ocidente fique bem atento ….e que o Brasil e os Estados Unidos unam suas estratégias contra esse inimigo. Certamente conseguirão. Que seja rápido. Parabéns, Dr. Ricardo.
Muito boa sua matéria , voltando ao assunto Ciro Gomes , está se revelando mais fiel à china do que se possa imaginar. porquê um cidadão deste não nasceu de olhinho puxado , do outro lado do mundo.Este Ciro Gomes é o maior responsável por atrair chineses aqui pro Brasil . Em 1994 , quando foi ministro da fazenda , por 4 meses no Governo Itamar Franco ,Ciro deu as costas pra indústria brasileira , baixou as taxas de importação de quase 500 produtos , levando a industria brasileira ao desespero.
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