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TRIBUTARISTAS, O STF DEU O SEGUINTE RECADO: A COISA JULGADA NÃO É BEM ASSIM!

Na ‘bucha’, isto quer dizer que, se um contribuinte for autorizado pela Justiça a deixar de pagar um tributo, mas depois, o STF entender que a cobrança é devida, ele perderá o direito e deverá fazer o pagamento. A segurança jurídica foi para o espaço!

 

No dia 8 de fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, que envolveu dois Recursos Extraordinários — RE 955.227 (Tema 885) e RE 949.297 (Tema 881) —, em sede de repercussão geral, de relatoria dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, respectivamente, considerou que uma decisão definitiva, a chamada “coisa julgada”, sobre tributos recolhidos de forma continuada, perde seus efeitos, de forma imediata, caso a Corte se pronuncie em sentido contrário, sem a necessidade de ação rescisória e ação revisional, conforme notícia do STF, de 10 de fevereiro de 2023.

Na ‘bucha’, isto quer dizer que, se um contribuinte for autorizado pela Justiça a deixar de pagar um tributo, mas depois, o STF entender que a cobrança é devida, ele perderá o direito e deverá fazer o pagamento. A segurança jurídica foi para o espaço!

Continuando a análise da decisão, isto se deve, de acordo com a legislação e a jurisprudência, porque uma decisão, mesmo transitada em julgada, produz os seus efeitos enquanto perdurar o quadro fático e jurídico que a justificou. Havendo alteração, os efeitos anteriores podem deixar de se produzir.

A priori, vamos por partes, como dizia Jack o Estripador, trazer as definições do que foi elencado acima: a coisa julgada está prevista como direito fundamental no inciso XXVI do artigo 5 da CF: “a lei não prejudicará o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Por isso, é definida como a imutabilidade e indiscutibilidade da decisão de mérito não mais sujeita a recurso, conforme o artigo 502 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).

A imutabilidade é a impossibilidade de nova análise de uma lide — corresponde a um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, conforme Carnelutti, ou seja, o núcleo essencial de um processo judicial civil — já antes julgada e com trânsito em julgado — impossibilidade de interpor recursos, qualquer que seja a razão. Já a indiscutibilidade é a impossibilidade de se discutir, em 2ª demanda semelhante à primeira, aquilo que foi decidido com força da coisa julgada na 1ª demanda (algo que se verifica com mais frequência em relações jurídicas continuadas ou sucessivas).

O vínculo tributário decorre de uma lei, que estabelece a sujeição ativa do Fisco, a sujeição passiva do contribuinte e tem como objetos as prestações tributárias principal e acessória. No caso em análise, a relação tributária de trato continuado ou sucessivo é aquela cuja cobrança se renova periodicamente, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Não cabe a ação rescisória em matéria tributária — que é uma ação judicial autônoma, que tem por objetivo rescindir uma decisão judicial que tenha transitado em julgado, ou cuja lide já tenha sido encerrada a partir da sentença do judicial, sem possibilidade de recursos —, em razão de não existir mais COISA JULGADA.

Vamos ao caso concreto: a discussão envolvia o interesse da União de voltar a recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), instituída pela Lei 7.960/88, de empresas que, em 1992, obtiveram decisão transitada em julgada que lhes concedeu o direito de não pagar o tributo. Em 2007, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 15, o STF validou a cobrança da CSLL, dizendo que todos deveriam pagar o tributo. Dessa maneira, a Corte agora analisa se tal entendimento atinge as companhias que estavam isentas de pagar o tributo devido às decisões definitivas dos anos 1990, conforme artigo do Consultor Jurídico, em 08 de fevereiro de 2022.

Em relação à cobrança da CSLL, pergunto-me por que o Supremo demorou 15 anos para entender que era constitucional e agora, 26 anos depois, julga que as empresas têm que pagar retroativamente a 1997?

Segundo Barroso, debruçado sobre o Tema 885, o STF entendeu que, no caso das relações tributárias continuadas, uma decisão anterior que considere determinado tributo inconstitucional perde eficácia após a decisão do STF reconhecendo sua validade. Isso faz com que a retomada de pagamento seja obrigatória, mesmo para os contribuintes que já tinham decisões definitivas de outras instâncias desobrigando o recolhimento. Mas ele deixou claro: não se cobre para trás, somente para frente, após a decisão do STF de 2007. Para espanto geral, onde fica a segurança jurídica?

Luís Roberto Barroso alega que, “desde que o STF tomou a decisão em 2007, nenhuma empresa pode dizer que foi pega de surpresa. Para ele, o entendimento do STF não cria insegurança jurídica, pois, depois que a Corte validou a cobrança, quem deixou de pagar e não provisionou recursos para esta finalidade fez uma “aposta”.

Lembro-me, quando era assinante da revista Veja, periódico da velha mídia, de ter me dedicado à leitura de um artigo que dizia que as empresas brasileiras tinham verdadeiros “SUPER-HOMENS” para analisar um calhamaço de alterações tributárias, diariamente, com o fito de não serem pegos de surpresa. Será que essas empresas estariam interessadas em apostar em “cassinos” ou se aventurar no mercado de opções, no mercado acionário? Ou será um ‘perdeu, mané’ para as empresas?

Diferentemente do que ocorreu inclusive com Bradesco e Itaú que, depois da fraude contábil com as Lojas Americanas, tiveram que provisionar valores suntuosos em seus Balanços de final de ano, após a desvalorização das ações das companhias no mercado acionário, este não é o caso das empresas prejudicadas com esta decisão judicial.

No que tange ao Grupo Pão de Açúcar, com a decisão do STF referente ao recolhimento da CSLL retroativa até 1997, o impacto no Balanço Financeiro da rede de supermercados deverá chegar à casa dos R$ 290 milhões, conforme notícia da Revista Oeste, de 09 de fevereiro de 2023.

A lista de empresas atingidas também inclui: Embraer, BMG, Zurich Seguros, Banco de Brasília, Holding Alfa, Samarco, Magnesita, Grupo Ale Combustíveis e Kaiser. No caso específico da Embraer, o impacto estimado é de, no mínimo, R$ 1,6 bilhão/ano, conforme noticia do UOL, de 12 de fevereiro de 2023.

De acordo com Barroso, a Constituição proíbe tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, conforme inciso II do artigo 150 da CF. Caso contrário, haveria impacto na livre concorrência, pois dele teria vantagem competitiva.

Em vez de esculhambarem com a coisa julgada, por que não permitiram que houvesse demandas judiciais das empresas em desequilíbrio concorrencial com uma jurisprudência do STF?

O ministro salientou que a coisa julgada — o direito adquirido a partir de uma decisão judicial sem possibilidade de recursos — vale enquanto permanecerem as mesmas condições fáticas e jurídicas. No entanto, quando a Suprema Corte decide que um tributo é devido, a partir daquele momento, todos têm que pagar.

Quer dizer que as condições fáticas e jurídicas permaneceram de 1992 a 2007, depois isso mudou, mesmo com instâncias inferiores dizendo que não, e agora muda de novo.

A tese fixada no julgamento no tema 885 foi:

  1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha se formado, mesmo nas relações tributárias de trato sucessivo.
  2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgados nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Importante destacar que a repercussão geral foi implementada em 2007, no STF, para diminuir a sobrecarga de processos recursais na Corte, além de aumentar a segurança jurídica, possibilitando que casos semelhantes tivessem a mesma solução.

Já o controle incidental de constitucionalidade é aquele que permite ao magistrado ou órgão colegiado analisar a compatibilidade de uma lei ou ato normativo perante a Constituição, possibilitando assim modificar a regra geral dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

O princípio da anterioridade anual determina que os entes somente podem cobrar o tributo a partir do primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele que foi publicada a lei que o instituiu ou aumentou. Quanto à noventena ou anterioridade nonagesimal, ela ocorre depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que instituiu ou aumentou o tributo.

No tocante ao tema da RE 949.297 (Tema 881), da relatoria do ministro Fachin, ele votou para aceitar o recurso e modular os efeitos da decisão — quando o STF limita a eficácia temporal das suas decisões — de forma que a CSLL só pudesse ser cobrada a partir da data da publicação da ata de julgamento do caso. Isso para respeitar a segurança jurídica dos contribuintes ao poder estatal de tributar. Que alento!

O meu amigo Fábio Talhari, professor de Economia e de Direito, que me trouxe para o Vida Destra, assim se manifestou, em 10 de fevereiro de 2023, no Twitter: “Está ficando cada vez mais complicado. Essa agora de o STF atacar a coisa julgada, em matéria tributária, atropelando inclusive a ação rescisória, me causou mal-estar”.

Na opinião de tributaristas, o único beneficiado foi o Fisco. O STF deveria respeitar a decisão da coisa julgada e a segurança jurídica que ela gera, sob pena de se criar uma situação injusta de “confiei e me ferrei” – tal como, com outras palavras, se manifestou Tereza Alvim, sócia do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados, que afirmou “confiei e me frustrei”. Já para Kiyoshi Harada, houve um grande retrocesso em termos de segurança jurídica; o ideal seria que o STF não tivesse feito alteração legislativa, cumprindo o seu papel de pacificar as relações jurídicas, conforme notícia do Migalhas Quentes, de 09 de fevereiro de 2023.

A insegurança jurídica provocada pela fala de Lula já causava uma debandada de investidores estrangeiros, agora foi o pontapé final da Suprema Corte. Não há expectativa de geração de empregos e crescimento econômico. Estão colocando uma pá de cal, o Brasil está ao Deus dará!

Concluindo, na verdade, o que a Suprema Corte fez foi criar um novo tributo, sem previsão legal, o que é vedado pelo inciso I do artigo 150 da Constituição Federal, fazendo com o secretário do Tesouro Nacional do governo Lula, Rogério Ceron, já pulasse de felicidade no carnaval antecipado, com aumento da arrecadação, MAS, a Corte atropelou inclusive uma expressão latina: rebus sic standibus — estando assim as coisas, assim lhes daremos tratamento — ao não pacificar as relações jurídicas.

 

Luiz Antonio de Santa Ritta, para Vida Destra

Sigam-me no Twitter! Vamos discutir sobre o tema! @LuizRitta

 

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Economista, advogado e bancário (aposentado)