Ontem, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou o Projeto Anto-Crime. Claro, causou vastas repercussões.
Em breve resumo, há que se dizer que o Projeto é excelente.
Nas palavras do próprio Sérgio Moro, trata-se de medidas contra o crime organizado, os crimes violentos e a corrupção. Ampliando essa análise, Deltan Dalagnol destaca os três eixos principais do Projeto, quais sejam:
- Promoção da efetividade da Justiça, o que decorre da execução da pena já a partir da segunda instância;
- Endurecimento das penas par quem participa de organizações criminosas;
- Ampla melhoria das investigações, com a criação dos Bancos Nacionais de Perfis Balísticos, Multibiométrico e de Impressões Digitais e de Perfis Genéticos, além da criação da figura do “informante do bem”.
Entretanto, como sói acontecer neste país, os setores de esquerda saíram em um ataque feroz e irracional contra esse Projeto. Não é de se estranhar.
A questão é meramente lógica: se o Governo lança um Projeto Anti-Crime, elaborado por um dos maiores juristas vivos neste país, cujo trabalho é reconhecido nacional e internacionalmente, e há setores que combatem esse Projeto Anti-Crime, fica evidente que tais setores estão ao lado do crime. A considerar pela vida pregressa das pessoas que estão se manifestando contra o anti-crime, bem como a atuação perniciosa (passada e atual) dos partidos que se posicionam contra o citado Projeto, os cidadãos de bem devem mesmo se perguntar: o quê cargas d’água pretendem essas pessoas e partidos? Por certo não é o sossego dos cidadãos, mas a leniência e impunidade da minoria que pratica crimes!
O ponto fulcral desses ataques é a alegada “carta-branca” aos policiais para “matar”. Lendo o projeto de lei, não encontrei nenhuma afirmação nesse sentido, muito menos que estejam concedendo “licença para matar”.
O que houve foi o esvaziamento da semântica possível ao texto legal, para que a questão das excludentes de ilicitude, e em especial, a legítima defesa, sejam interpretadas nos juízos e cortes do Brasil não mais em prol dos bandidos, mas em favor dos policiais e, por conseguinte, da sociedade. Em “juridicês”: a exegese da lei foi contida em parâmetros mais estreitos de hermenêutica, eis que agora tais limites foram positivados no texto legal.
Explico: a redação atual dos artigos 23 e 25 do Código Penal é bastante ampla, o que permite interpretações e aplicações da lei (isso se chama hermenêutica) que chegam a contr
ariar a intenção do legislador. Pela interpretação (exegese) histórica e teleológica (aquela que leva em conta a intenção do legislador) da lei, estava acontecendo uma verdadeira inversão de valores nos juízos e cortes brasileiras, a favor do crime e do criminoso. Não custa lembrar o caso de uma juíza, na região sul do Brasil, que liberou um criminoso que portava armamento pesado, recentemente. Atitudes como essas merecem o repúdio da sociedade civil. Chegaram a surgir teorias jurídicas no diapasão de que o “policial somente poderia atirar em revide”, ou seja, que a autoridade e o agente de Polícia somente poderiam atirar em um criminoso depois que este abrisse fogo. Essas teorias e intepretações partem da prévia criminalização da atividade policial, e isso é um absurdo completo.
Nesse sentido, Sérgio Moro agiu precisa e cirurgicamente.
O artigo 23 do Código Penal trata das excludentes de ilicitude. Ao falarmos em “excludentes de ilicitude”, em Direito Penal, significa que não há crime nessas hipóteses previstas na lei, especificamente no artigo em tela. Eu o transcrevo, colocando em negrito os acréscimos que o Projeto Anti-Crime trará:
“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
- 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
- 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.”
Pois bem, a maioria vai perguntar: no que consiste o excesso doloso ou culposo?
O excesso ocorre quanto o agente (que praticou a legítima defesa, ou que agiu em estado de necessidade, ou que se conduziu de acordo com dever legal ou no exercício regular de direito) excede o limite do razoável para a garantia de seu direito ou de outrem.
Vamos exemplificar: imaginemos um policial no meio de um tiroteio, nas ruas ou dentro de uma comunidade. Deparando-se com uma pessoa armada, ele desfere oito tiros contra ela. Muitos juízes, ao interpretar esse episódio, vão considerar que houve excesso doloso: para quê oito tiros? Esse é o excesso. Dois tiros seriam suficientes para conter uma eventual agressão.
Contudo, Sérgio Moro insere no texto legal uma corrente jurídico-doutrinária, qual seja, o excesso escusável, isto é, aquele que pode ser ponderado e levado em consideração, para reduzir a pena, ou até chegar à isenção desta.
O Excesso Escusável, de acordo com a doutrina clássica, pode ocorrer nos casos de
- Escusável medo;
- Surpresa, ou
- Violenta emoção.
Vamos acrescentar mais elementos ao exemplo anterior:
Imaginemos que está acontecendo um tiroteio violentíssimo, com balas voando para todo lado. Assustado, o policial “tremeu o dedo” no gatilho, disparando oito vezes. Este é o “medo escusável”: o agente está em situação de pânico, tremenda tensão, e efetuou mais disparos que o que seria “razoável”.
Outros elementos ainda: suponhamos que o policial não estivesse no tiroteio, mas corria por uma viela, quando pula na sua frente uma pessoa armada, saindo de um quintal, uma varanda, dobrando uma esquina. No susto, o policial atirou oito vezes. Essa seria, então, a surpresa.
Finalmente, vamos supor que o policial reagiu a agressões e xingamentos, que estivesse realmente nervoso por ter sido, injustamente, ofendido, e ainda, o ofensor houvesse disparado contra ele. Daí então, no calor dessa discussão e da troca de tiros, disparou oito vezes. Essa seria a violenta emoção.
Claro que tudo isso pode acontecer ao mesmo tempo: no meio de um tiroteio, em um lugar apertado, como uma viela estreita, o policial foi ofendido por várias pessoas, podendo inclusive estar ferido, estar sozinho e assustado, e de surpresa alguém pula na sua frente com uma arma em punho: ele atira oito vezes, em defesa, sob violenta emoção, amedrontado e pelo susto. Temos todos os excessos escusáveis agindo em conjunto.
A doutrina e a jurisprudência de Direito Penal reconhecem o excesso escusável há tempos. A cartada de mestre de Moro foi inseri-lo na lei. Uma vez positivada a teoria, os operadores de Direito (juízes, promotores, advogados, etc.) poderão fazer uso dela de forma mais precisa e firme. Como no exemplo que dei, o policial terá elementos de defesa sólidos, nos juízos e tribunais brasileiros.
Mas Sérgio Moro foi além. Especificamente quanto à legítima defesa:
“Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”
O inciso I do parágrafo único do artigo 25 do Código Penal, que está no Projeto, especifica que nas hipóteses de conflito armado, ou risco iminente de conflito armado, o policial que agir prevenindo a injusta agressão não comete crime algum. Claro que a medida é muito bem-vinda! No mesmo exemplo anterior, sobre o excesso escusável, vemos agora a materialização do direito de defesa do policial, de maneira prévia: antes que algum criminoso efetue disparos, ou coloque a vida dele, policial, ou de terceiros, em perigo, o agente ou autoridade policial encerram a questão, dentro dos meios necessários. Isso quer dizer: havendo o risco real à sua vida, ou às vidas de terceiros, o policial poderá agir.
O mesmo se diga na hipótese do criminoso deter refém, ou reféns. Vimos, há não muito tempo, um policial disparar contra um assaltante, que mantinha uma senhora sob a mira de uma faca, pedindo a presença da imprensa e da OAB, um carro para sua fuga, e outros delírios desses marginais. O policial disparou contra o meliante, sumariamente, e este morreu. Nada a reparar. Exatamente assim que deve ser: se o criminoso está ameaçando a vida do refém, não age com excesso o policial que o mata! Isso é de uma clareza solar para o cidadão de bem.
Verifica-se, então, que ao contrário do que pensa uma parte da imprensa, não comete crime o policial que age prevenindo o risco a si ou à sociedade. Nesse caso, equivocou-se grandemente uma jornalista, na coletiva de imprensa concedida por Sérgio Moro, ao dizer que “comete crime” o policial que mata um criminoso agressivo, nas circunstâncias previstas na lei como excludentes de ilicitude.
E mais ainda.
Verifica-se do texto legal que não houve qualquer “carta branca” aos agentes e autoridades policiais. Concedeu-se, sim, um substrato para defesa das atitudes desses policiais, nos confrontos com o crime e os criminosos. Esse é um jogo que está desequilibrado há muito tempo, a favor dos criminosos e em detrimento da sociedade civil e dos policiais.
Aliás, nesse confronto, crime x sociedade, é bom que o delituoso tema o poder da polícia. Mais ainda: o poder de fogo e de resposta da polícia não pode ficar aquém do poder de fogo e de resposta dos criminosos, senão estaremos caminhando a passos largos para a barbárie. As autoridades e os agentes policiais devem, sim, ter poder suficiente para conter a agressividade dos criminosos, na mesma medida.
Nesse sentido, a legislação é inovadora: após décadas protegendo os criminosos, agora a lei protege os policiais. Isso significa uma mudança de orientação. Por óbvio, quem tem algo a temer da polícia está se colocando contra o Pacote.
Ao contrário do que pensam os setores que estão atacando o Pacote, os grandes problemas de segurança pública no Brasil não são “a letalidade da polícia”, o “genocídio da população negra” e a “superlotação dos presídios”. Na verdade, essa estratégia de “terrorismo” psicológico, de insuflar medo na população com mentiras alarmistas, é própria da esquerda. Mas venha algum afrodescendente dizer que é de direita: ele sofre as piores injúrias e ofensas por parte dessas mesmas pessoas que tentam usar a etnia para acobertar interesses escusos, ou como “cortina de fumaça” para encobrir seus crimes e corrupções.
Os índices de letalidade dos cidadãos de bem, o genocídio do brasileiro (e não de uma etnia em específico) e a facilidade com que criminosos saem da cadeia, esses são os problemas reais neste país. E não, não se vai resolver o problema de segurança pública com iluminação pública a base de “led”. Na atual altura dos acontecimentos, postar-se contra o bem elaborado projeto anticrime de Sérgio Moro é postar-se contra o Brasil.