O Amor revela o que a paixão esconde. Se de tudo há uma raiz que salva a humanidade, seja na filosofia, política ou religião, é no Amor que a verdade humana resplandece até ofuscar o mal que nos ronda.
A lealdade não se confunde com a fidelidade, mas quando se fala do Amor são pré-requisitos para todas as atividades sociais sem o custo de causar a falta de paz. É notório que sem atributos e valores não há decisões que nos leve ao Amor.
Dentre tantos que a citaram, foi Shakespeare que deixou maior legado sobre o tema e em todas suas obras foi brilhante em empunhar a pena que gravou o Amor na literatura mundial.
Como é de se esperar, para todo bem há o mal a ser vencido e uma de suas obras que parece melhor simbolizar isso é Otelo, a história do general mouro a serviço do reino de Veneza, casado com Desdêmona, a filha de um rico senador, cujo casamento se consumou a revelia de seu pai. Contra esse Amor pleno figura o, sem dúvida, maior vilão da literatura mundial, Iago.
Iago sempre esteve ao lado de seu general e acreditou que, por isso, deveria ser premiado com uma promoção que restou a outro notoriamente mais capaz, Cássio. O sentimento de ter sido preterido lhe revelou o que já existia na sua falha de caráter e maldosa alma, então, de forma abominável, ele passou a arquitetar seu plano maquiavélico e iniciou, com a malícia dos vilões, a ludibriar e “envenenar” de ciúme e dúvidas Otelo.
Iago confundiu o mouro confrontando sua pseudo lealdade com a fidelidade da amada do General, mas o mal não se medra no coração de quem ama e Iago sofreu a destempere de quem só ouvia conjecturas e ilações e em meio a tudo perdido, mesmo podendo desistir, deu seu bote peçonhento no tudo ou nada de quem já foi absolutamente imerso em sua própria artimanha, disse a Otelo que teria como provar.
O sentimento da perda absoluta deu lugar a chance de engano a Otelo, ora, uma prova, indícios e até conclusões levemente lógicas não deveriam bastar para decisões e convicções de ninguém, um General deveria ter a temperança e astúcia de quem confia em sua própria intuição, deveria considerar as hipóteses e analisar com cautela aquilo que seria a realidade e, talvez, com Amor encontrar a Verdade.
Todavia, Otelo era mouro tinha pele escura e se casou com uma mulher de pele clara, em um tempo em que esse detalhe tinha mais importância que nos dias atuais, desta forma, incutido de um complexo que moveu sua razão, uma fraqueza de espírito que lhe inferiorizava e envenenado pelos ouvidos, pouco bastava para que sua ira, revolta e indignação aflorassem.
Aquele grande guerreiro, líder e disciplinado militar estava prestes a sucumbir pelo seu próprio preconceito, apesar de seu sonho e paixão ter se materializado com reciprocidade óbvia, ao cogitar que uma mulher que engara o próprio pai, um astuto político a quem ela amava, poderia, sobretudo diante das diferenças raciais, ser capaz de enganá-lo.
Iago, maligno, ao perceber a brecha que tentara achar a longo e penoso tempo, não titubeou em dar a quem já estava possuído pelas possibilidades e conjecturas unilaterais a tal prova prometida. Prontificou-se por uma lealdade que jamais existira e mostrou ao enciumado e confuso Otelo um lenço que havia dado a Desdêmona, garantiu-lhe estar com Cássio que se vangloriaria do arroubo lascivo e ostentaria tal lenço como troféu.
Era a prova que faltava. Tudo era indício de que acontecia, a infidelidade havia sido anunciada e não restaria qualquer sentimento de quem promovesse tamanha deslealdade, Otelo se considerou cego pela paixão, deu margem para que o mal se instalasse mesmo antes do Amor se estabelecer.
Ser passional é um mal, estivesse amando, o mouro jamais suspeitaria sem a convicção de quem postula o contraditório, não veria indícios onde jamais houve e, principalmente, não esperaria o pior da pessoa amada. Em seu juízo demente, pôs tudo a perder em se precipitar por tão pouco diante de tudo que Desdêmona mostrara de fato ser.
Sua estabelecida inferioridade, minando o mouro de sua natureza, a convicção de seus valores que seriam conservadores de seu Amor, de sua paz e sua esperança. Por tão pouco rompeu com tanto, de tanto que achara ter cedido sem nada em troca achou de buscar na impulsividade o devaneio a que foi habilmente conduzido pela manipulação atroz do egoísta, vil e repugnante Iago.
Ninguém está incólume dos Iagos do cotidiano, aqueles que aparentam ser de confiança e habilmente distorcem a realidade com conclusões subvertidas, mas Shakespeare deixou a lição de Amar com a cautela de nossas vidas e não se demover pelas “provas” de “lenços” dos manipuladores.
A convicção brota da alma e a temperança da razão!
GVBA, para Vida Destra, 18/09/2019.
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