A pedido de amigos nesta luta por um Brasil melhor, ético, decente de verdade, propus-me, há algum tempo, a analisar o Senado brasileiro atual. Cheguei a postar minhas conclusões no Twitter, mas não sei por que, esses posts desapareceram, em grande parte. Diga-se até que biografar os senadores é uma tarefa bastante indigesta em muitos casos, convém tomar um anti-histamínico antes de enfrentá-la, porque o enjoo é inevitável.

Tanto a coisa causa engulhos que o primeiro senador que analisei, Acir Gurgacz, do PDT, deixou-me quase deprimido. Não apenas por ele, mas pelas atuações da Justiça e do Senado, como adiante se verá. O episódio todo é estarrecedor.

Acir Gurgacz é natural de Cascavel, PR, nascido aos 25 de fevereiro de 1962. Conta com 58 anos, agora, e é filho de Assis Gurgacz, empresário no setor de transportes rodoviário e urbano. Seu pai fundou, em 1964, a empresa de ônibus União Cascavel, que hoje se chama Eucatur. Guardem bem o nome desta empresa, que adiante será importante.

Ingressou na política em 2000, quando disputou a prefeitura de Ji-Paraná, sendo eleito com 70% dos votos válidos. Em 2002 disputou com outros seis candidatos o governo de Rondônia, obtendo 16,89% dos votos válidos no primeiro turno, ficando na terceira colocação. Em 2006, disputou uma vaga ao Senado Federal, obtendo 210.531 votos, 31,1% dos votos válidos naquela eleição. Mas só foi diplomado senador pelo TRE-RO após a cassação do primeiro colocado, Expedito Júnior (que obtivera 39%), pelo crime de compra de votos, em 12 de abril de 2007, seis meses após a eleição.

Enquanto era administrador da empresa Eucatur, em Ji-Paraná (RO), Acir Gurgacz contratou junto ao BASA (Banco da Amazônia S/A) um empréstimo, no valor total de R$ 1.522.500,00, liberado em 17 de março de 2004. Esses recursos eram provenientes do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) – ou seja, dinheiro dos contribuintes. O montante deveria ser aplicado na compra de 13 ônibus novos (fabricados em 2004) para a empresa, mas na verdade foram comprados 7 ônibus usados (fabricados em 1993), no valor de R$ 87.500,00. Houve um desvio de quase R$ 1,5 milhão de reais de dinheiro público. As investigações decorrentes do crime levaram quase uma década, sendo oferecida denúncia somente em 25 de janeiro de 2013, e que foi recebida pelo Judiciário mais de dois anos depois de apresentada, em 10 de fevereiro de 2015. A morosidade das investigações e do processo levaram à prescrição de vários crimes que ocorreram no caso.

Depois do longo trâmite (mais de 14 anos desde o crime), em 25 de setembro de 2.018, Acir Gurgacz foi condenado pela 1ª Turma do STF, no processo cujo relator foi o ministro Alexandre de Moraes, do qual muito se tem ouvido falar nestes tempos, como incurso no artigo 20 da Lei 7.492/86, delito este que consiste em aplicar, em finalidade distinta da estipulada em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo. A pena foi de multa (no valor de 15 salários mínimos) e prisão (de 4 anos e 6 meses), a ser cumprida em regime semiaberto desde o início, bem como a perda dos direitos políticos, conforme o art. 15, III c/c 55, VI, e § 2º, da Constituição Federal de 1988.

Diante disso, em 10 de outubro de 2.018, Acir entregou-se à Polícia, iniciando seu cumprimento de pena. Consta que passou mal no dia, teve pressão alta.

Mas Acir não ficou muito tempo recolhido no Presídio da Papuda.

Em publicação do dia 29 de outubro do mesmo ano, atendendo a pedido da Advocacia do Senado, Alexandre de Moraes concedeu permissão para que Acir voltasse a dar expediente (legislar) no Senado Federal.

Muitos vão se perguntar: e a perda do mandato? Ora, parece que esqueceram. O Senado nem deu bola para a ordem judicial de Moraes, que naquela feita não bateu o pezinho nem se sentiu ofendido, como sói acontecer atualmente…

Mas não somente essa afronta. O Conselho de Ética do Senado (ética?) arquivou pedido para a perda do mandato do senador condenado. Não escreveram uma linha a respeito da vergonha que é ter no Senado um parlamentar que desviou R$ 1,5 milhão de dinheiro público. A decisão foi a seguinte.

A legislatura do senador irá terminar em 31 de janeiro de 2.023. Sua pena deveria terminar em 10 de abril de 2.023, mas ele remiu (descontou da pena) bastante dias, eis que fez cinco cursos durante o cumprimento dessa pena (auxiliar de oficina mecânica, auxiliar de cozinha, direito constitucional, direito de família e direito administrativo) – Alexandre de Moraes já lhe havia concedido o regime aberto em maio de 2019 (quando então deixou o presídio), e em dezembro do mesmo ano, concedeu-lhe mais: liberdade condicional. Ele merece, é um preso exemplar, estudioso e bem comportado…

Resumo da história: há um Senador, condenado por desvio de dinheiro dos contribuintes, legislando. Em liberdade condicional, por graça do ministro Alexandre de Moraes e com o beneplácito do Conselho de Ética (ética?) do Senado. Votando leis que interessam a todos nós.

Somente a título de curiosidade: aqui no Brasil a corrupção, como estamos vendo, leva a uma pena de prisão, inicialmente cumprida em regime semiaberto e rapidamente progredindo para o regime aberto, depois para liberdade condicional. Fosse na China, Coreia do Norte, Irã ou Arábia Saudita, a pena seria a morte – de formas diversas, de fuzilamento à decapitação. Felizmente estamos no Brasil-zil-zil, não é?

Imagino que os leitores, como eu, sintam uma imensa vergonha alheia! Mas é para sentir própria, também.

A culpa disso, leitores, é nossa. Especificamente dos 312.614 rondonienses que teclaram “12” na urna eletrônica em 5 de outubro de 2014 – ele teve 41,98% dos votos válidos, então.

Necessário que eu faça algum comentário sobre as eleições em 2022?

Fábio Talhari, para Vida Destra, 9/5/2020.

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Gogol
3 anos atrás

Artigo de extrema importância. A minha atitude em relação aos partidos políticos que mais atrapalham o País será não votar em ninguém deles, mesmo que seja meu amigo de infância. E para este ano eu selecionei aqueles que jamais terão meu voto: PDT, PSDB, PT, PSOL, PCdoB (qq nome q tenha adotado), DEM. Os partidos devem pagar pelo o que seus membros fazem de ruim. Também, por convicção desde o início, não voto em ninguém do NOVO. Quanto a nossa (in)justiça, é bom que o povo termine de acordar para a máfia em que ela se tornou. Para o homem… Read more »

Marcia
Marcia
3 anos atrás

Que lixo é esse congresso

Moisés
Moisés
3 anos atrás

Chega a dar ânsia de vômito

Rosana Mendes
Rosana Mendes
3 anos atrás

Muito bom para que conheçamos os politicos de todo o Brasil , continue por favor a nos esclarecer ???

Mava
Mava
3 anos atrás

Excelente trabajo. Sugiero ir armando un folleto físico de los parlamentarios (por estados) para más adelante repartirlo a sus correspondientes sectores electorales. La idea es que las distintas poblaciones conozcan quiénes son realmente sus posibles candidatos y partidos que avalaron tanto desmadre.

Virginia
Virginia
3 anos atrás

É surreal!! Em suma, não há justiça no Brasil! Só conluio entre os malfeitores, um atrás do outro!!

Mauricio
Mauricio
3 anos atrás

Parabéns !!!! Muito bom a sua atitude,tem algum site com essas informações? Para quando estiver perto das eleições,a gente nos consultar para ver quem realmente são os candidatos.

Lis Ungaretti
Lis Ungaretti
3 anos atrás

Triste realidade brasileira.

Lis Ungaretti
Lis Ungaretti
Reply to  Fábio Talhari
3 anos atrás

Concordo. Parabéns pelo seu trabalho! Muito bem escrito, conciso, didático e esclarecedor. Vou acompanhar.