O STF está decidindo em plenário, mais uma vez, se poderá ou não haver prisão após decisão em 2ª Instância. Se votarem em maioria que não, estarão decretando que o país se torne uma absurda exceção no cenário jurídico mundial. Dos 193 países reconhecidos e participantes da ONU, o Brasil será o único que não aceitará a prisão após condenação em 1ª ou 2ª instância. Seria uma vergonha inominável, caso isso aconteça, pois aqui no Brasil também não há limites para recursos, sejam embargos infringentes que voltam a discutir questão de mérito ou embargos declaratórios que são pedidos de esclarecimento de decisão judicial.
Sabe-se de processos com mais de 20 embargos declaratórios – embargos sobre embargos – que tramitam há mais de 15 anos em 2ª Instância, sem decisão. E muito tempo ainda vai transcorrer antes que essa sentença tramite em julgado, quando não haverá mais recurso cabível, o que só acontece depois de esgotados todos os recursos, inclusive no STJ. Quem tiver dinheiro para pagar advogados, poderá ver a pena prescrita antes de responder penalmente pelo crime cometido. Será o império da impunidade.
O plenário do STF já deliberou a esse respeito no passado e manteve a prisão após julgamento em 2ª Instância. As conseqüências serão gravíssimas caso haja nova interpretação que modifique as anteriores, especialmente porque determina a Lei, num princípio fundamental do Direito, que esta só retroage para beneficiar o réu. E, com isso, sabem-se lá quantos réus já condenados serão beneficiados, voltando à liberdade até o julgamento final de todos os recursos em todas as instâncias.
Essa revisão está sendo fundamentada num dispositivo constitucional – Art. 5º, inciso LVII – que diz que todos devem ser considerados inocentes até o trâmite em julgado. Tal artigo foi baseado na Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, que diz no seu Art. 11º:
“Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.
Sem dúvida, o direito à ampla defesa deve ser assegurado a todos, mas a redação do artigo da Constituição brasileira de 1988 foi falha na interpretação desse direito resguardado pela ONU ao afirmar, de maneira explícita, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Pelo óbvio, quem não é considerado culpado, não pode cumprir pena. Onde o erro então? O erro é que tal dispositivo desconsiderou tanto a morosidade da Justiça brasileira, como a falta de limites para os recursos possíveis. Isso faz a alegria dos corruptos e corruptores contumazes, de notórios criminosos e seus advogados chicaneiros.
O STF, assimilando o erro no texto Constitucional, já deliberou em três oportunidades a esse respeito, sempre no entendimento de que a “prisão é possível após decisão em Segunda Instância”. Essas foram decisões de bom senso, pois há inúmeros casos de crimes de sangue que são notoriamente comprovados, em função das evidências, das provas levantadas, na etapa processual inicial.
Esse também é o entendimento do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG) que publicou a Nota Técnica nº 21, de 15 de outubro de 2019, em que manifesta a sua posição favorável acerca da constitucionalidade da execução provisória da pena chancelada por acórdão do Tribunal revisor, ainda que pendentes os recursos especial e extraordinário.
Entretanto, recentemente, a Segunda Turma do STF adotou decisão polêmica na análise de recurso impetrado pelos advogados de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, anulando sentença de Sergio Moro e impondo dura derrota à Lava Jato, sob a alegação de que o então juiz que conduzia o processo em Curitiba abriu prazo conjunto para todos os réus se manifestarem antes da decisão final. Bendine foi delatado e, de acordo com a Segunda Turma, deveria ter tido mais tempo para se defender, sendo assim o último a se manifestar na ação. Isso abriu um perigoso precedente, pois tal decisão não está amparada pela Constituição. Com isso, a segunda turma do STF “criou” legislação até então inexistente, extrapolou competência ao analisar recurso que deveria ser encaminhado ao STJ e abriu precedente que pode possibilitar a revisão de todas as sentenças proferidas com base no instituto da Delação Premiada.
O que está cada vez mais irrefutável nessas decisões estapafúrdias, é que a maioria dos Ministros do STF tem, aparentemente, a deliberada intenção de favorecer os réus dos chamados “crimes de colarinho branco” que envolve centenas de políticos, funcionários públicos, ex-ministros, ex-presidentes e até mesmo membros do poder Judiciário. Em outras palavras: fica a suspeita de deliberaram em causa própria ou em retribuição de favores recebidos.
É fato sabido que alguns Ministros do STF já se manifestaram publicamente e de maneira desairosa contra as pessoas do ex-juiz Sergio Moro e do procurador da República Deltan Dallagnol. Tivessem esses o comportamento ético esperado de um Supremo Magistrado, deveriam se declarar ineptos para julgar questões relativas à Lava Jato, pois os artigos 134 a 138, do Código de Processo Civil (CPC) dizem respeito à imparcialidade do juiz no exercício de sua função. É dever de o juiz declarar-se impedido ou suspeito, podendo alegar motivos de foro íntimo e afastar-se da decisão. Só que não o fazem e não há a quem recorrer, pois são “supremos”..
Num momento em que o Brasil pleiteia seu ingresso no economicamente importante e exclusivo grupo de membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Rolf Alter, um diretor da entidade, manifestou preocupação em relação à corrupção endêmica no Brasil, alertando, durante o seminário internacional “O Impacto da Corrupção sobre o Desenvolvimento”, organizando pelo Valor e pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), que quanto mais um país tolera e pratica a corrupção, menos eficiente economicamente ele é. E acrescentou que corrupção se combate com prevenção e punição. É um sinal claro que depois dessas decisões do STF, caso favoráveis aos corruptos, o Brasil poderá dar adeus às pretensões de fazer parte da OCDE.
Em artigo anterior para Vida Destra, citei o famoso Senador e orador da antiga Roma, Marco Túlio Cícero, que efetuou um pungente discurso advertindo o também Senador Lucius Sergius Catilina, militar que tentou derrubar a República. Faço questão de reproduzir:
“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda hás de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se hás de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste e que deliberações foram as tuas?”
As perguntas que faço são: até quando permitiremos que abusem de nossa paciência com os desmandos da classe política brasileira que apenas dificulta a governabilidade, com as distorções de uma imprensa corrompida por anos de favorecimentos com verbas públicas e com decisões de um Judiciário igualmente corrompido que se coloca a serviço do que há de mais sórdido e que mais atrapalha o desenvolvimento deste país? Quando será que chegará o dia em que a Nação se levantará e gritará “Basta!”, pondo fim a essa suprema vergonha que somos obrigados a passar? No vizinho Peru, fizeram isso. Por aqui, teremos que aguardar até a votação do Plenário do STF.
Laerte A Ferraz – para Vida Destra – 18/10/2019
Lindo texto, até quando, até quando , estou desesperada, pagando uma dívida nos próximos 20 anos caudada pelos bandidos que assaltaram meu fundo de pensão.
Estou sem esperanças, STF suspende todas investigações da Greenfield
Até quando?
Essa é a pergunta que todos nós fazemos> “até quando?”
Obrigado, Sandra.
Laerte, você é um especialista em artigos sobre leis. Além de entender o que se passa no sujo STF, aumentou minha indignação.
Parabéns pelo artigo!
Mary, tento dar minha contribuição, em parte como informação e grande parte como indignação. Obrigado.
A turma do STF não está preocupada com o desenvolvimento do país, isso e o mais alarmante, vindo do que eles representam. Será que os descendentes deles terão do que se orgulhar no futuro? Pelo visto não, e o pior de tudo e que eles parecem deitar e dormir o sono dos justos.