A sessão de 15/10, reiniciando a votação, começou com o voto de Carmen Lúcia. A ministra começou apresentando precedentes sobre cassação de liminar de um ministro pelo Presidente do STF, dizendo que isso não pode acontecer, mas considerando o caso específico, considerou que Fux atuou corretamente. Considerou haver três elementos: que houve excepcionalidade, urgência e motivação que ampararam a suspensão, por ato monocrático, da decisão de Marco Aurélio Mello. Foi bastante breve. Não destoou dos votos anteriores, portanto.

O seguinte, Lewandoski, reconhece a altíssima periculosidade de André do Rap. Contudo, considera que a liminar concedida por Marco Aurélio jamais poderia ter sido cassada por decisão monocrática pelo Presidente do STF, Luiz Fux. Citou a entrevista que ele, Lewandowski, autorizou que Lula desse para a Folha e para o El País, enquanto ainda preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba. Falou da presunção de inocência, da desigualdade social, da redução da miséria, etc. Só faltou pegar um violão para cantar “Imagine”. Curioso que, antes no mesmo voto, dissera que não se poderia “cassar decisões alheias por idiossincrasias políticas”, mas fez um discurso bastante político. Foi voto vencido, e até o disse ser. Nessa altura, o placar ficou 7×1.

Chegou então a vez de Gilmar Mendes. Inicialmente, fazendo um “histórico” dos acontecimentos no processo de André do Rap. Apontou que Rosa Weber havia recebido o primeiro dos Habeas Corpus do criminoso em 6 de agosto, e que mesmo que tenha havido a desistência do HC, e que estaria, por isso, preventa para o recebimento dos demais Habeas Corpus, e que isso seria uma falha nos procedimentos do STF. Apontou a inércia do MPF, que só apresentou parecer às 19:46 h do dia 10/10, ou seja, bem depois que o alvará de soltura havia sido expedido e André do Rap já tinha fugido. Falou da inércia do juízo de 1º grau, que não reavaliou a prisão preventiva. A dado ponto, Fux interrompeu Gilmar Mendes (aliás, o fez várias vezes), e anunciou que mudou o regimento do STF para atribuir prevenção ao ministro que primeiro dele conhecer, mesmo que a defesa desista do Habeas Corpus, como aconteceu por 8 vezes no caso do traficante internacional. Gilmar então considerou que, a princípio, o HC apresentado era incabível, não poderia ter sido aceito. Disse ser inadmissível que o Presidente do STF tenha suspendido a liminar concedida por Marco Aurélio. Falou, falou, mencionou até necessidade de reforma do Judiciário, leu uma tonelada de julgados e foi outro voto vencido, enfim, divergindo de Fux, a quem considerou incompetente para suspender a decisão de Marco Aurélio. Analisou o parágrafo único do art. 316 do CPP, mencionando que muitos ficam presos de forma injusta e desproporcional, falando até da necessidade de “mutirões” judiciais para garantir as revisões das prisões em 90, dando ao artigo interpretação restritiva, contudo. Não recomenda a automática soltura do réu, se não a realização das revisões dos motivos da prisão, e foi contra a decisão liminar dada por Marco Aurélio. Acompanhou Fux, sob muitas ressalva, ao fim de uma longa “palestra”. 8×1.

Ao fim do voto de Gilmar Mendes, Fux reiterou, com bastante entusiasmo, os motivos pelos quais suspendeu a decisão liminar de Marco Aurélio. E perguntou: “Que outro Presidente trouxe ao Plenário um caso de suspensão de liminar? Nem um! Eu o estou fazendo!”. “Estou mencionando que o caso é excepcionalíssimo, e em seguida estarei aqui sozinho, durante um recesso (nota do autor: falando da pandemia). Para mim a palavra suprema é do Colegiado!”.

Então, por fim, votou Marco Aurélio Mello. Tremenda saia justa… Começou dizendo que não houve reforma do regimento interno do STF, porque este é ato do plenário. Mencionou que a mudança desse regimento por ato unilateral do Presidente seria totalitária. Afirma que recebeu o HC por sorteio. Disse que a competência para julgar o HC seria da 1ª turma, e não do plenário. Disse que não se sente “no banco dos réus”, mas que atuou “como julgador”. Reafirmou que houve excesso de prazo da prisão preventiva, e que essa não foi reavaliada no prazo de 90 dias. Disse que a decisão final sempre seria submetida ao colegiado (suponho que a 1ª turma) – mas, na verdade, eu, Fábio, pontuo que a deu singularmente! Alegou que “a regra tem que ser a liberdade, não a prisão”. Pontuou que o Presidente do STF não é legislador, que o STF é órgão judiciário, e que não caberia dizer que o caso é excepcional, só porque se trata deste ou daquele cidadão – mas, mais uma pontuação do autor deste artigo, o paciente do Habeas Corpus é um criminoso de altíssima periculosidade! Está indignado com a cassação de sua decisão, claro. Tentou justificar a urgência da urgência da tutela por ele dada. Põe o foco se o “todo poderoso” Presidente do STF poderia cassar sua decisão. Que ele, ao julgar o HC, estava personificando o STF! Disse que não falhou e que não pode ser colocado como bode expiatório, pela falta de diligência do Ministério Público ou da falta de diligência na representação da Polícia (?? Creio que ele quisesse se referir ao juízo de 1º grau). Mencionou que, com base no mesmo artigo (parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal), havia dado outros79 ou 80 Habeas Corpus, e mencionou até a matéria do G1 nesse sentido, e que aquele concedido a André do Rap não fora o primeiro. Repetiu que o Presidente do STF é um “coordenador de iguais”, não sendo hierarquicamente a um par no tribunal, e que não poderia ter suspendido a medida liminar que fora por ele concedida. Acusa Fux de ser “autoritário” porque cassou a decisão de um colega. Disse que ainda levará o Habeas Corpus ao Plenário (Para quê? Pergunto). Faz uma ameaça velada aos outros ministros, dizendo que “cesteiro que faz um cesto faz um cento”, e que hoje está sendo ele, mas poderá ser outro membro do STF, no futuro. Disse que o pronunciamento do Plenário é extravagante. Votou por não admitir a cassação de um ato de um integrante do tribunal. Pronto! 8×2.

Ao fim, começou um bate-boca, entre Fux e Marco Aurélio. Este esbravejou, ameaçou sair da sala. Fux pediu urbanidade. Alexandre de Moraes se intrometeu. Teve gritaria na pracinha!

Alexandre de Moraes ainda falou um pedaço: que efetivamente há advogados que entram com um Habeas Corpus, este não é conhecido ou é desistido pelo impetrante, até chegar “aqui ou ali”, e que ele, Alexandre, fizera até um ofício específico sobre esse tema. Fux acatou a sugestão com entusiasmo, e mencionou que foi juiz de direito e que assistira como seria o trabalho no distribuidor dos fóruns. Marco Aurélio aproveitou o ensejo reiterou que o HC lhe fora distribuído por sorteio, e que não decidiria se houvesse a declaração de prevenção, e disse que não foi atrás do Habeas Corpus.

Em resumo: houve mesmo uma imensa comédia de erros no caso inteiro, que quase terminou em uma briga entre os ministros do STF. Mas o traficante, chefão do crime organizado, fugiu. Fato. É uma mostra claríssima que esses ministros estão encastelados em torres “inatingíveis”, que não têm mais contato com a realidade das ruas, dos átrios dos fóruns, das cadeias, do crime generalizado no país, da situação dramática dos cidadãos de bem, do acúmulo de direitos de que os criminosos gozam neste país, da multiplicação das vítimas – somos todos vítimas dessa cacofonia, dessa leniência!

Fux, aliás, quer que haja uma fixação de tese interpretativa sobre o parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal, pois 20 mil juízes esperam essa consolidação, e milhares de Habeas Corpus foram impetrados com base no precedente que Marco Aurélio dera.

Nesse sentido, Fux propôs a tese:

A inobservância do prazo nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juiz competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos“.

Uma excelente sugestão! Mas, inicialmente Lewandowski se opôs! Fux insistiu (e creio que ele já estava com essa tese na manga desde o começo do julgamento, ontem), começando a colher os votos dos demais presentes.

Alexandre de Moraes concordou, Fachin idem, Rosa Weber idem, Carmen Lúcia também, Gilmar Mendes também, e até Barroso, que não estava presente, mandou mensagem dizendo que sim, que concordava com a tese. Toffoli não se manifestou, ainda, eis que está doente, com COVID-19. Apenas Marco Aurélio Mello ficou contrário à tese – e novamente vencido.

Neste ponto, tenho que dar “urras” ao ministro Fux, que realmente parece estar dando uma “nova cara” ao STF! Tenho para mim que ele já tinha a tese na manga desde o início do julgamento, ontem, e manobrando com espetacular maestria, praticamente arrancou a concordância dos demais, dando segurança jurídica ao assunto! Sensacional, como é espetacular ver um bom juiz (porque esse homem é JUIZ!) atuando!

Não houvesse, contudo, a fuga do famigerado líder do PCC, volto a dizer aqui o que postei nas redes sociais, NINGUÉM teria se mexido para tentar consertar tantos erros, para organizar um pouco, pelo menos, a baderna que estamos vendo!

Fábio Talhari, para Vida Destra, 15/10/2.020.

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Fábio Talhari
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Luiz Antonio
Luiz Antonio
3 anos atrás

No espetacular art. de Fábio Talhari, parte 2, só vou comentar o pulso de Fux de cassar a liminar e que a tresloucada da RW não sabia q era preventa da Op. Oversea, a qual o Pres.STF dará orientação para a Distribuição, só faltou a litigância de má fé.

Nunes
Admin
3 anos atrás

Parte II e II foram exclarecedoras. Parabéns pela coleta e análise de informações.

Sander Souza
3 anos atrás

Mais um excelente artigo!
Sou grato por nos ajudar a compreender o mundo jurídico!
Artigo lido e compartilhado!

Natalino Oliveira ??????
Natalino Oliveira ??????
3 anos atrás

Li os dois artigos, e faço meus os seus “urros”, pois realmente o Ministro Fux atuando como juiz na mais alta corte é um fato inédito a ser comemorado.

Como já disse anteriormente, não compro o mantra “In Fux we trust”, mas concordo que o começo de sua presidência tem sido avassalador aos coniventes ministros.

Parabéns!

Paulo
Paulo
3 anos atrás

Então quer dizer que o Senhor Marco Aurélio julga conforme a Lei? Não importa o quão mal isto posa fazer a sociedade? Para ele apenas existe o que está no Processo? Não leva em conta nem a periculosidade? Se morrerão pessoas? Queria ver se o bandido fosse um serial killer. Desculpe se ofendi a divindade de um “supremo” semi Deus.

Michel dos Santos Reis
Michel dos Santos Reis
3 anos atrás

Fux agiu corretamente. O STF já é mal visto no Brasil e no mundo. É tida como a mais alta instituição judicial a favor de criminosos. Ele agiu pra organizar a casa e isso, obviamente, foi um ultraje! Querem a bagunça sempre e transformar o BR na casa da mãe joana, já que a justiça aqui é caolha e quase prostituida.

Last edited 3 anos atrás by Michel dos Santos Reis
Cristina Casañas
Cristina Casañas
3 anos atrás

Excelentes ponderações sobre desempenho de FUNCIONÁRIOS ILUSTRES do PODER ORIGINÁRIO, isso é: NOTÓRIOS FUNCIONÁRIOS DE INSTITUIÇÃO BRASILEIRA, CONTRATADOS E “EXCESSIVAMENTE REMUNERADOS” PARA FINS MUITO ESPECÍFICOS!! Ora, começa o texto, apresentando a OPINIÃO da funcionária Rosa Webber que DITA INESCRUPULOSAMENTE, o impedimento do CONTRATADOR em usar instrumentos de DEFESA ?. Por QUÊ diabos devemos nos curvar diante de disparates inapropriados?? Se há PODER para desempenho de função remunerada, O PODER ORIGINÁRIO, que deriva autoridade temporária aos contratados, ainda que contratados por nossos prepostos, não perdemos a LEGITIMIDADE ou DIREITOS ao contratar essas pessoas!!? Assim, antes de QUALQUER submissão ou jugo aos… Read more »