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E AGORA, MORO?

Houve muita celeuma nas redes sociais, a respeito das sentenças de Moro. Uma foi anulada pelo STF, por impedimento, e outra revertida no TRF-4, por falta de provas. Não é pouco, e ao acontecer de modo seguido, coloca em xeque a credibilidade do ex-ministro.

Vamos analisar mais detidamente o caso do Banestado (Banco do Estado do Paraná), neste artigo.

Esse foi um dos maiores escândalos ocorridos no Brasil no período de Governo FHC, um esquema criminoso pelo qual foram desviados R$ 2,4 bilhões para o Exterior, entre 1999 e 2002.

No caso específico de Paulo Roberto Krug, este ficou conhecido por ser um dos poucos réus do Caso Banestado a ser definitivamente condenado pela Justiça, pois grande parte dos acusados teve a pena cancelada pela demora do processo, por conta de prescrições. Quase dez anos após ser denunciado pelo Ministério Público Federal no Paraná (MPF/PR), o doleiro chegou a cumprir pena no regime semiaberto em 2013, eis que fora condenado definitivamente a 4 anos, 9 meses e 18 dias por crimes financeiros praticados durante o escândalo de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A condenação de Krug teve fundamento nas delações premiadas de Alberto Youssef e Gabriel Nunes Pires, outros doleiros que foram implicados no caso.

Os advogados de Krug foram bastante combativos no caso. A decisão do STF que ora se analisa deu-se em um agravo regimental em face de decisão singular do STJ,  que negara seguimento a um recurso ordinário, que por sua vez foi apresentado em habeas corpus interposto contra acórdão proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que confirmara a condenação de Krug. Ou seja, uma salada de recursos e remédios constitucionais, aos 48 minutos do segundo tempo!

Mas a alegação fundamental dos advogados de Krug é que Sérgio Moro seria IMPEDIDO de atuar no processo, conforme artigo 252, inciso I e II do Código de Processo Penal, ou traduzindo, que Sérgio Moro teria violado o princípio da imparcialidade do juiz, tendo atuado como se fosse investigador ou acusador no processo. Isso porque Moro teria tomado diretamente o depoimento de colaboradores no momento da assinatura de acordo de colaboração premiada e, dessa forma, na visão da defesa, teria participado da própria produção da prova na fase investigativa, exercendo funções da Polícia ou do Ministério Público.

Propor contra um juiz uma alegação de impedimento significa que este não poderia atuar no processo, não poderia dizer o Direito (jurisdição), porque estaria envolvido com a causa, porque teria interesse nela. Em resumo, é grave, acusa o magistrado de parcialidade, como a imprensa tem alardeado. Equivale a dizer que o juiz é desonesto, ou corrupto!

Ano passado, mais precisamente em 14/8/2019, eu havia escrito um artigo, expondo justamente que os ministros do STF pretendiam enfiar nas fuças de Moro essa acusação de desonestidade. Naquela época, já haviam colocado o gato em cima do telhado, estavam pincelando as acusações contra Moro, a quem eu defendi, muitas vezes. Uma carreira tão brilhante, um homem tão digno e honesto não merecia (e na verdade, não merece) tamanha humilhação, ainda mais partindo de pessoas como  Gilmar Mendes.

É justamente o que estamos vendo. As colocações de Gilmar Mendes no voto que deu no caso de Krug causam até desespero, vejam um primeiro ponto:

Logo no começo da sua fundamentação, Gilmar Mendes afirma que as funções de investigar, acusar, defender e julgar não podem ser realizadas por uma mesma pessoa. Ora, perfeito, esse é um ponto fundamental do sistema processual penal brasileiro!

Porém, no famigerado “inquérito das fake news”, um ministro está colhendo “provas”! Claríssimo que, simplesmente, atropelaram esse fundamento, e estão acumulando, sim, no próprio STF, as funções de investigar, acusar e julgar! O que usa contra Moro não pode ser alegado contra o tribunal, e para contorná-lo, Fachin escreveu 53 folhas de uma imensa “ginástica” jurídica, pela qual Gilmar Mendes, de modo bastante oportuno, votou a favor! Aliás, todo o Plenário votou, à exceção de Marco Aurélio Mello, que tem sido uma voz dissonante das arbitrariedades que estão cometendo.

Prosseguindo na análise, reparem que a defesa de Paulo Krug pediu pelo impedimento de Moro, artigo 252 do Código de Processo Penal, como apontei acima. Contudo, Gilmar Mendes se socorre de outro artigo, ou seja, o 254 do mesmo Código, que trata da suspeição do juiz, isto é, um motivo não tão grave quanto o impedimento, mas que pode, também, anular uma sentença.

Gilmar considera que Moro incorre nas hipóteses previstas nos incisos I e II, acima. Ou seja, está dizendo que Moro é “inimigo capital” de Paulo Krug, ou “amigo íntimo” de alguém do MPF, ou pior ainda, que o caráter criminoso dos fatos pelos quais Krug é acusado são “controversos”… Que “Mandrake”! Pula de um artigo para outro, com desfaçatez, e distorce o que realmente aconteceu no processo, cujo caráter criminoso envolve R$ 2,4 bilhões! É uma acusação gravíssima e injusta!

E fica pior, depois. Gilmar acusa Moro de premeditar a acusação contra Krug, já no depoimento de Alberto Youssef. Contudo, o nome de Paulo Krug surgiu no depoimento de Youssef espontaneamente, isto é, Moro NUNCA fez qualquer pergunta retórica a Youssef, apenas quis saber quais eram os outros envolvidos nas operações de evasão de divisas, e o interrogado (Youssef) citou vários, dentre eles, Paulo Roberto Krug! Gilmar Mendes atribui a Moro uma onisciência quase divina e uma memória elefantina, até porque o depoimento de Alberto Youssef se deu em 16 de dezembro de 2003, ao passo que a sentença de Krug foi dada em 18 de maio de 2012, quase uma década depois! Isso demonstra que foram coligidas provas, de forma cuidadosa e ampla por Moro, antes de sentenciar Krug. O processo, aliás, é imensamente volumoso, com mais de 20 apensos (mais de 4.000 páginas) de provas!

Gilmar Mendes, contudo, cospe e ignora a montanha de provas contra o réu, e pior ainda, considera “menor” o crime cometido por este, invertendo a realidade e praticamente atribuindo uma conduta criminosa ao juiz! Considera que Moro direcionou uma cordilheira de provas contra o “coitadinho” do réu… E em um passe de mágica, Gilmar Mendes considera, então, ilícitas todas as provas que abundam contra Paulo Roberto Krug, absolve este e atribui a conduta ilícita a Moro, dizendo-o parcial!

No mesmo sentido, Lewandowski considerou Moro como “parcial”, e o deu como impedido, indo além de Gilmar Mendes. Poupo-me de analisar mais do mesmo – até porque acabou meu Omeprazol. Entendo que os ministros em tela fizeram malabarismos para atribuir uma conduta “política” e “parcial” a Sérgio Moro, quando da homologação do acordo de delação premiada de Alberto Youssef, em 2003, para depois condenar Krug, em 2012, atendendo a algum “interesse” do juiz.

Em sentido contrário, considerando como perfeitamente lícita a homologação da delação premiada de Alberto Youssef, votaram Carmen Lúcia e Edson Fachin – até porque homologação não é sentença, e a transposição de provas do processo de Youssef para o de Krug não é, de forma alguma, ilegal ou inconstitucional. Esse mesmo entendimento foi corroborado pelo TRF-4 e pelo STJ, ou seja, 11 magistrados (1 na Vara, 3 no TRF-4, 5 no STJ e 2 no STF) analisaram o caso e consideraram que o processo não tinha qualquer nulidade, mas pelos votos desses 2 acima citados, tudo foi anulado!

Isso porque Celso de Mello está afastado por licença médica, e como o julgamento ficou 2×2, o empate favorece o réu. Dessa decisão da 2ª Turma do STF, será difícil que o Ministério Público Federal consiga algum recurso, levando-a a Plenário: será preciso demonstrar que houve violação à Constituição, na análise dos artigos de lei acima citados, bem como que o caso comporta repercussão geral, isto é, que existem no caso questões relevantes do ponto de vista jurídico, econômico, social ou político.

Todos já perceberam, até, que esses votos parecem prenunciar a absolvição, pelos mesmos motivos “políticos”, de Lula, no caso do triplex do Guarujá.

Aí que reside o ponto que causa mais indignação: todos percebem que essas “decisões” têm caráter puramente político, “torcendo” entendimentos jurídicos que os ministros adotam a bel prazer, conforme lhes interessa em cada processo, considerando “válidos” como no caso presente, mas “inválidos” em outros (como o “inquérito”), bem como negando a realidade dos fatos e anulando provas. Em muitos artigos anteriores, apontei essa atuação política, e não jurídica, do STF. E muitos outros jornalistas também viram o mesmo. Por isso, considero que o pior ainda vai acontecer…

A primeira humilhação, já se deu. Na sequência, uma segunda: o TRF-4 considerou ausentes as provas, em outro processo, cuja sentença foi dada por Moro, revertendo a condenação – e nesse caso, não foi por uma questão de procedimentos, mas de mérito. O episódio é indicativo que o ex-ministro e ex-juiz virou um “sitting duck”, um “alvo fácil”, a partir de agora. Prenúncio de um massacre político, do assassinato de sua reputação, para facilitar a absolvição de corruptos e outros criminosos aos quais ele condenou.

E verdade seja dita: isso está acontecendo pela conduta anterior do próprio Moro. Sua saída do Governo, em um gesto político, que até considerei auspiciosa, pelo surgimento de uma terceira via (artigo de 25/4/20), está agora revertendo contra ele. Naquela oportunidade, imaginei que sua digna biografia seria suficiente para estabelecer sua posição no cenário nacional, como herói.

Contudo, ele perdeu o apoio bolsonarista, e mais, virou “persona non grata” para os apoiadores do Presidente, uma vez que saiu do Governo alegando a “preservação” dessa biografia – mas os fatos que considerou suficientes para atacar a atual administração pública acabaram saindo pela culatra (lembram do vídeo da reunião ministerial que foi divulgado por Celso de Mello?). A esquerda não perdeu a oportunidade de difamá-lo, e seus apoiadores “perderam o norte” completamente, uma vez que acolitaram as narrativas dos rancorosos derrotados na última eleição presidencial. Os criminosos, cleptocratas e corruptos que foram alvo da Operação Lava Jato engrossaram o coro, vendo nisso a oportunidade de redenção de sua figura maior.

Ao que tudo indica, Moro viverá um inferno astral e não me espantaria se acabar preso. Sua blindagem contra a vingança cleptocrática estava no apoio popular e do atual Presidente, que não o abandonariam, mas o primeiro foi por ele acusado de fatos que não conseguiu provar, e os segundos (os apoiadores de Bolsonaro) viram sua saída do Governo como traição. Ao fazê-lo, perdeu, então, sua verdadeira sustentação.

Por ironia e ao que tudo indica, a sua saída do Governo foi induzida pelo “canto da sereia” da própria cleptocracia, que o atraiu pelo convencimento de que o governo Bolsonaro estaria se “acabando” e ele, Moro, poderia, ao invés de “afundar junto”, sair atirando contra o Presidente e então se eleger como tal, em 2022. Mas não foi o que se viu: a popularidade de Bolsonaro cresceu, e a dele, diminuiu.

Seus restantes apoiadores, que não são número suficiente para garantir-lhe posicionamento político, agora endossam as calúnias difamatórias contra o Presidente, esquecendo que o “núcleo duro” da esquerda ainda é de 34% (segundo o último Data Folha) – e esse aliança oportunista não faz subir o apoio ao ex-juiz, mas acaba, no curto prazo e em última análise, sendo uma autossabotagem, já que os refratários ao atual Presidente são mais refratários ainda a Moro, ou seja, não obterão apoio algum da esquerda, senão facadas. Quiseram retirar votos da direita, por outro lado, atacando, em um cálculo político aparente e óbvio, mas pela perda de apoio justamente dessa ala, acabaram por prejudicar a posição de centro, facilitar a demolição de própria imagem e contrariar os fundamentos da luta anticorrupção, ao “aliviar” para os corruptos históricos. Os “moristas” estão criando corvos…

Contudo, sem o cargo de juiz, sem o apoio de Bolsonaro e sem popularidade suficiente para se eleger, as “sereias” se afastaram e os “urubus” começam a sobrevoar o ser moribundo. Agora, vai tomar chumbo de duas direções.

Até porque a resposta que Moro deu ao julgamento do STF que anulou sua sentença foi muito fraca. Não marcou território, não defendeu seus motivos, foi flácido ao dizer que a “respeita”, sem fazer ressalva firme. Na verdade, deixou desamparados aqueles que o apoiam, infelizmente.

Triste fim para alguém que os brasileiros depositaram tanta esperança e que poderia passar para nossa História de forma mais digna.

Triste fim para quem apresentou como um dos motivos da renúncia ao cargo de Ministro da Justiça a “preservação de sua biografia”.

E eu lamento muitíssimo.

Fábio Talhari, para Vida Destra, 29/8/2020.

Sigam-me no Twitter. Ainda há muito que falar sobre o tema. @FabioTalhari

Agradeço muitíssimo a @lulesimon, @RaquelFFPace, @DonaEliana_M_S, @DavidMArcanjo, @FPaggiaro e @Ajveiga2 por debaterem o caso comigo, nas redes sociais, o que forneceu subsídios para este artigo.

9 COMMENTS

  1. Excelente análise. Moro, um excelente juiz que prestou inestimável serviço ao Brasil, ao deixar a magistratura, se afogou a própria vaidade.

  2. Pelos mesmos motivos dados por Gilmar Mendes contra Moro, ele não estaria impedido pois já tinha se manifestado até de forma agressiva contra a lava-jato e contra a pessoa de Moro?

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