O Brasil, neste momento, se encontra em uma aparente calmaria, uma falsa calmaria, entretanto, como adiante se verá. Talvez a melhor comparação seja o olho do furacão, uma aparente calma de um dia de verão, cercado de tempestades destruidoras por todos os lados.
Realmente, viver no Brasil não é tarefa para amadores, muito menos é estudá-lo ou tentar compreendê-lo.
Estamos em um momento de inflexão, isso é certo. O fulcro dessa alavanca de mudanças está agora, efetivamente, no Senado – com muitíssima má vontade, deles.
Não é de se estranhar. Há um evidente confronto, uma queda de braço.
Em 1988, eu cursava o 3º ano da Faculdade de Direito, no centro de São Paulo. Lugar histórico, de vasto comércio, de intenso trânsito, onde ficavam os Fóruns Civil e Penal, poluído, que influenciou profundamente meu caráter. Sempre considerei o centro de São Paulo uma ostra: trancado, muito feio e sujo em um primeiro olhar, mas repleto de pérolas, belezas em vários pontos. Sempre estávamos próximos das manifestações populares, que aconteciam no Anhangabaú, ou na Praça da Sé; sempre estávamos ligados no noticiário político, como bons estudantes de Direito, éramos todos juristas apaixonados. Naquele ano, Ulisses Guimarães foi o grande protagonista das manchetes, que exaltavam a Constituição que estava sendo escrita. Já no fim daquele ano, como todos sabem, em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal foi promulgada.
Se qualquer leitor a abrir, vai verificar que os poderes do Senado estão elencados no artigo 52, e não são poucos. A Constituição foi escrita com esse fim, que o Senado fosse o órgão mais forte. Para melhor entendimento, é necessário transcrever o artigo:
“Compete privativamente ao Senado Federal:
I – Processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II – Processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
III – Aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de:
- a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
- b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República;
- c) Governador de Território;
- d) Presidente e diretores do banco central;
- e) Procurador-Geral da República;
- f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
IV – Aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;
V – Autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
VI – Fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII – Dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;
VIII – Dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno;
IX – Estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
X – Suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
XI – Aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato;
XII – Elaborar seu regimento interno;
XIII – Dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;
XIV – Eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.
XV – Avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Em resumo, vejam que os 15 incisos do artigo 52 da CF/88 enfeixam, nas mãos dos senadores, a maior fatia de poderes e responsabilidades dentre os órgãos da Administração Pública Direta, o que já se percebe logo dos incisos I e II, que tratam dos poderes de impeachment sobre Presidente, Vice-Presidente, Ministros de Estado, STF, etc. O que se depreende daí é que praticamente nada de realmente importante na administração pública é aprovado ou implementado sem a última palavra do Senado. Temos um presidencialismo, assistido e vigiado de perto por um forte elemento parlamentarista. Mas creio que Ulisses premeditou isso: o órgão mais forte seria submetido ao voto e seria sensível ao eleitorado.
Ocorre que, no atual Governo, chegamos a um ponto em que as reformas, necessárias e desejadas pela maioria votante nas últimas eleições, somente terão corpo e forma se passarem pelo Senado – onde elas estão paradas! Caso, inclusive, da Reforma da Previdência. Isso tudo, sem mencionar a famigerada Lei de Abuso de Autoridade, que é uma afronta aos cidadãos de bem neste país, o que já foi discutido amplamente.
O pomo da discórdia é a Lava Toga. Nos últimos meses, ficou evidente que os Ministros do STF estão pouco ligando para a Constituição (que deveriam guardar), ou para as leis que deveriam interpretar e, menos ainda, para a opinião pública majoritária. Como não são eleitos, dispõem de cargos vitalícios, consideram-se claramente acima desta última. Dentre medidas polêmicas, como instauração de inquérito, ordem de suspensão de investigações que avançavam sobre as pessoas dos próprios Ministros e seus familiares, além da concessão de “habeas corpus” no mínimo duvidosos, um último acórdão, que poderia gerar um precedente perigosíssimo para a Operação Lava Jato, anulando processos, sentenças e colocando em liberdade um sem número de presos daquela operação de combate à corrupção.
Quanto a esse último acórdão, redigi um artigo, “Que acórdão é esse, STF?” (https://vidadestra.org/o-que-e-uma-crise-institucional/), em que analisei as possibilidades de se chegar a uma grande comoção nacional, com essas anulações de processos da Operação Lava Jato. Acredito até que o STF tenha percebido a reação popular, e em um momento seguinte, não tiveram coragem de usar esse pernicioso precedente para conceder um “habeas corpus” a Lula. Isso quer dizer, mesmo tão distantes da opinião pública, há pelo menos um pouco de bom senso (quiçá, medo) naquele Tribunal.
Certo é que, também, estamos em um país realmente dividido. A maioria votante das últimas eleições, que corporifiquei em uma somatória de ideias viva, a qual denominei “egrégora” – por empréstimo do termo da Teosofia (e repito, não sou teosofista), está perplexa (artigo https://vidadestra.org/a-ideia-do-pt-esta-morrendo/). Porque a egrégora que lhe é contrária, aquela que representa todas as pessoas que pretendem a manutenção do antigo “status quo”, exatamente neste momento em que as reformas econômicas avançam e uma revolução cultural está acontecendo, está reagindo com mais intensidade.
Muitos já perceberam essa divisão, essa profunda cisão que se formou na sociedade brasileira. Alguns a denominaram como um embate entre “Lavajatistas” e “Vazajatistas”, mas considero que isso não resume ontologicamente o quadro, até porque a malfadada tentativa da “Vazajato” não caminhou senão alguns passos, eis que seu “defensor”, um jornalista estrangeiro, voltou ao ostracismo depois de produzir factoides. No meu ver, a egrégora antiga, que está definhando, é composta por partidos de esquerda, defensores do socialismo, dos antigos veículos de mídia e imprensa, em decadência, por corruptos dentro de várias esferas, privadas e públicas, por empresas que participavam do “capitalismo de compadrio”, curiosa forma de oligopólio que só poderia surgir aqui mesmo, ou seja: um grupo de pessoas que pretende a manutenção do antigo establishment, que estão aferradas ao poder.
Perguntei-me então: o que há de comum entre todos esses grupos, que tanto combatem o novo Governo?
Simples: o imenso apego e dependência que têm ao dinheiro do contribuinte!
Muitos, na internet, já perceberam que todos esses grupos, essa velha egrégora, estão em “síndrome de abstinência” de capital público. Isso é fato! Aliás, diga-se que, no Brasil, essa é uma dependência que vem de longa data: posso apontar no início do século XX, o Convênio de Taubaté, depois os projetos estatizantes de Getúlio Vargas, inclusive com a criação, em 1952, do BNDES, bem como o verdadeiro assalto que os partidos de esquerda promoveram ao Erário, utilizando a Petrobrás e o mesmo BNDES, jorrando dinheiro do contribuinte para fora do Brasil, na sanha de estabelecer aqui uma república populista-socialista, na última década. Todos esses projetos, estratégias e até desvarios foram realizados com capital público, de alguma forma.
Justamente porque esse está findando, porque os contribuintes não admitem mais ver seu dinheiro empenhado em proveito próprio de poucos, a velha egrégora está entrando em desespero, que fica maior ainda quando percebe, também, que o combate à corrupção e ao crime está alcançando as pessoas que a compõe. O torniquete está apertando, a maioria votante nas últimas eleições tem pressa e está vigilante, especialmente pelas mídias da internet. Também está mais crítica, reunindo informações e construindo argumentos. Grupos estão nascendo para a defesa de uma axiologia clássica, retomando de uma escala de valores sólidos, conservadores, que parecia ter-se perdido por ação da agenda da Escola de Frankfurt, que os partidos de esquerda adotaram, e que combatem essa axiologia clássica por ser “opressora”.
Ou seja, tanto os integrantes dos partidos de esquerda, bem como os corruptos que permeiam a sociedade, estão vendo as grades mais e mais próximas. Não é à toa que, rapidamente, votaram essa absurda lei de abuso de autoridade: era muito do interesse próprio de cada um, naquele Congresso Nacional. Nem digo, claro, que sejam todos, houve uma renovação muito grande no Legislativo nestas últimas eleições. Mas os leitores hão de concordar comigo que há pessoas, no Congresso, que se virem uma viatura da Polícia Federal encostando na porta, pulam pela janela!
Quando, em momento passado recente, houve o número de senadores suficientes para exigir a instalação da CPI Lava Toga, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não apenas não a pautou, como também está obstaculizando outros projetos de interesse do Governo, numa descarada chantagem! Agora veio a notícia de que estão pressionando os senadores que assinaram o pedido pela Lava Toga para que retirem suas assinaturas, até sob ameaça de perda de mandatos!
Essas condutas, por certo, inculcam raiva e medo no povo. Fica claríssimo que no Congresso há muitos que não podem ser qualificados como “homens públicos”, pelo contrário, estão defendendo interesses pessoais, ou acobertando eventuais corruptos. Dentre os 81 senadores, sabemos quem são os notórios corruptos – pessoas que não lutam por um Brasil melhor. Neste momento, estão lutando pelo direito de continuarem a cometer os ilícitos que sempre cometeram.
O que querem é negociar, a bem da verdade, para que, no mínimo, não sejam presos e, no máximo, possam continuar a usufruir do dinheiro dos contribuintes, de alguma forma.
Porém, o povo já percebeu todas essas manobras, e a maioria quer a continuidade do combate à corrupção, das reformas econômicas e da revolução cultural. Mesmo com a velha imprensa parcial, partícipe da velha e moribunda egrégora, dando notícias incompletas, ou falsas mesmo, as pessoas estão buscando informações diretamente nas fontes, ou entre si, e vendo o quadro geral com suficiente clareza. Um expressivo número quer a instalação da Lava Toga!
Esse é o ponto de não-retorno. Muito provavelmente, o impeachment de algum Ministro do STF iria jogar muita, mas muita lama no ventilador, porque a partir daí, será um “salve-se quem puder”. A maioria votante, a opinião pública majoritária quer isso mesmo, afinal, votamos em Bolsonaro justamente para essas atitudes duras.
O problema que decorre disso é a hipótese do número de parlamentares, políticos, etc., ser tão grande que afete a continuidade da administração pública. Ou seja, a faxina está sendo feita, sob intensa resistência, mas pode ter atingido um ponto em que o Brasil chegaria a uma situação de ruptura institucional – o pior da tempestade, o furacão inteiro despejado sobre nós.
Estamos no olho do furacão, querendo entrar na tormenta. Aguentaríamos?
Fábio Talhari, para Vida Destra, 11/09/2019.
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Análise adequada do momento que atravessamos. É impressionante a quantidade de políticos calhordas que obstaculizam os esforços do nosso governo para dar um rumo decente para o país. Se não houver feito, tem que meter o pé na porta mesmo.
Boa tarde, Abrahão! Efetivamente, há uma parcela do Senado e do STF que pretendem o retorno do Brasil às suas antigas instituições, ou seja, estão apoiando o velho establishment. Como respondi acima, o foco de pressão popular tem que ser o Senado, se quisermos fazer alguma coisa, e para que pautem o impeachment dos ministros do STF, como pedido por Modesto Carvalhosa. Assim, daríamos um primeiro passo (importante!) para que essa faxina continue.
Excelente artigo!
Muito Obrigado, Luiz! Fazendo eco ao que está sendo dito nas redes sociais: todo mundo já percebeu que há uma parcela do Senado e do STF que, simplesmente, pretendem o retorno do antigo establishment. Mas um ponto que quero deixar explícito, já que ficou implícito no artigo: o foco de pressão popular tem que ser o Senado, que é o órgão que tem poderes para realizar o impeachment dos ministros do STF. Porque essa história de CPI é para “dar uma satisfação” à opinião pública, na minha modesta opinião.