Muitas pessoas, nas redes sociais e em especial no Twitter, perguntaram-me a respeito do que seria a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, bem como curtiram postagens sobre as denúncias que foram lá apresentadas contra o STF e seus membros.

Então, quero explicar, detalhadamente, o que está acontecendo, e o que pode acontecer.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi estabelecida em 1959. Sua estrutura atual é regida pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 1969 e vigente desde 1978, que é chamada “Pacto de São José da Costa Rica”. O Estatuto e o Regulamento da Comissão, que detalham suas faculdades e procedimentos foram aprovados em 1979 e 1987, respectivamente. Está sediada na cidade de Washington, D.C. é composta de sete membros, propostos pelos Estados eleitos, a título pessoal, pela Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Uma vez provocada, a Comissão pode formular recomendações aos Estados, publicar suas conclusões sobre os diferentes casos de violações aos direitos humanos e/ou iniciar ação contra um Estado, em representação da vítima, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A força da Comissão radica-se na persuasão e na publicação dos abusos, já que não pode forçar os Estados-membros a adotar medidas, sejam quais forem.

Qualquer pessoa, em representação pessoal ou de terceiros, pode apresentar petição à Comissão com finalidade de denunciar uma violação aos direitos humanos. Também podem apresentar queixas os Ministérios Públicos, os Partidos Políticos e as Organizações Não-Governamentais (ONGs). A petição em favor de um terceiro é necessária, por exemplo, no caso de quem esteja preso e impedido de formulá-la pessoalmente ou de não desejar que as autoridades que o prenderam se inteirem da sua reclamação.

E isso aconteceu.

Primeiro, a Associação Nacional de Membros do Ministério Público, chamada de MP Pró-Sociedade, protocolou, em 24/6/20, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, uma petição com denúncia contra o inquérito 4781/DF, conhecido como “inquérito das fake news“. Meu amigo Sérgio Louchard (@LouchardSergio) é fundador da Associação citada, aproveitem para seguir seu perfil no Twitter.

A denúncia referida foi apresentada com pedido de Medida Provisória (Cautelar) em favor das vítimas brasileiras que sofreram e estão a sofrer constrangimento ilegal e violação à liberdade de expressão, de informação, de imprensa, de manifestação e de locomoção, bem como aos direitos processuais fundamentais (“due processo of law”) em razão dos atos praticados pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL brasileiro (Representado) na condução das investigações extrapoliciais realizadas no Inquérito Judicial nº 4.781, instaurado pela Portaria PG nº 69, de 14 de março de 2019, oriunda do Gabinete da Presidência do Supremo Tribunal Federal, bem como em razão dos atos praticados pelo órgão Plenário do Representado, por violar diretamente os direitos fundamentais resguardados pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica de 1969). E essa denúncia já foi aceita.

Tribunais NÃO podem abrir investigações criminais. O sistema acusatório é uma das principais conquistas civilizatórias das democracias modernas. Por ele, atores distintos são encarregados das funções de investigar, acusar, defender e julgar. Quando os próprios magistrados se encarregam de funções afetas a outros atores, como as de investigar e acusar, resta comprometido um dos mais importantes princípios que devem nortear a atuação dos juízes, que é a imparcialidade. No ordenamento jurídico brasileiro estão conferidas, com exclusividade, ao Ministério Público, a Polícia Judiciária e outros órgãos de controle a função investigativa, sendo fundamental que exista também o respeito, por parte do Poder Judiciário, das prerrogativas inerentes aos demais órgãos e instituições do Brasil.

Essa denúncia pede a imediata paralisação da investigação realizada no Inquérito 4.781, enquanto se analisam as ofensas à Imparcialidade e ao Sistema Acusatório pelo REPRESENTADO (STF), nos termos do artigo 63, item II, da Convenção Americana de Direitos Humanos e 27, do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Pede ainda que, após o deferimento da liminar seja oficiado o Órgão REPRESENTADO para que preste informações sobre o Inquérito n.º 4.781, nos termos do artigo 48, inciso I, alínea “a”, da Convenção Americana de Direitos Humanos; que seja dada ciência ao Órgão de Representação Judicial do Supremo Tribunal Federal, a Advocacia-Geral da União; que seja intimado o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República brasileiro (Chefe do Ministério Público da União) e pede também o devido processamento e instrução da denúncia, com audiências e colheita de provas, inclusive diligências probatórias de ofício que se fizerem necessárias, bem como a oitiva das testemunhas, vítimas dos mandados de busca e apreensão e quebras do sigilo fiscal e bancário, mencionadas no INQUÉRITO 4.781, sob relatoria do ministro do STF Alexandre de Moraes, nos termos dos artigos 28, 29 e 30 e seguintes, todos do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

As violação apontadas são claríssimas, e violam literalmente o Pacto de San José da Costa Rica. A possibilidade de prosperarem na Comissão, portanto, é muito alta!

No mérito da denúncia, além de pedir a confirmação da liminar, para recomendar ao Órgão REPRESENTADO a anulação da referida Investigação e, subsidiariamente, a remessa do inquérito à Polícia Judiciária e ao órgão do Ministério Público competentes, em cumprimento ao Princípio do Sistema Acusatório e à necessária Imparcialidade Judicial, para que, com o objeto da investigação devidamente delimitado em fatos e agentes, se dê prosseguimento à apuração segundo as regras processuais devidas (“due process of law”), pede ainda que seja recomendado ao Estado brasileiro a alteração legislativa da redação do artigo 43, Regimento Interno do STF para que se adeque à Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 8.1) e à Constituição Federal Brasileira de 1988 e mais, que seja estabelecido a reparação (indenização às vítimas) pelas consequências das medidas ou situações de violação dos direitos, nos exatos termos do artigo 63, item I, da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A essa denúncia da Associação MP Pró-Sociedade, somou-se, por iniciativa de Roberto Jefferson, Presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, em 18/8/2020, outra denúncia contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e especificamente contra o ministro Alexandre de Moraes pelas violações cometidas contra os direitos fundamentais e humanos na qual se pede também a suspensão dos inquéritos sigilosos que tramitam na Corte e investigam a disseminação de “fake news” e a realização de “atos antidemocráticos”.

A denúncia do PTB é assinada pelo advogado e primeiro-secretário Jurídico da Executiva Nacional, Luiz Gustavo Pereira da Cunha. O partido afirma que ambos os inquéritos e os atos praticados por Alexandre de Moraes, apoiados pelos demais ministros do STF, são ilegais, inconstitucionais e arbitrários, cujo intuito é coagir e inibir brasileiros de se manifestarem livre e diferentemente sobre os magistrados e as decisões da Corte – coisa, aliás, que todos sabemos!

“Os danos causados por essas determinações do Supremo Tribunal Federal e, em especial, do ministro Alexandre de Moraes, relator do ‘inquérito das fake news’ e do ‘inquérito dos atos antidemocráticos’, são irreparáveis, gerando prejuízos não só aos investigados, mas a toda a sociedade que luta pela construção de um Estado justo, democrático, regido por normas jurídicas aprovadas via processo legislativo, que garanta às pessoas direitos, dentre eles, os direitos de liberdade”, conclui o PTB, em sua petição.

Sigam Roberto Jefferson no Twitter, ele tem postado notícias sobre isso e sobre outros assuntos – @blogdojefferson.

A Comissão recebeu ambas as petições.

A partir do recebimento, a Comissão passa a examinar as denúncias e inicia investigações do caso.

Em primeiro lugar, comunica-se ao governo e/ou à pessoa denunciada, de que foi recebida petição acusatória do mesmo, convidando-os a responder às acusações. É o que o STF e, especificamente, Alexandre de Moraes, terão que fazer.

A Comissão pode realizar diferentes atividades tendentes a esclarecer os fatos e descobrir a verdade. Poderão realizar-se audiências e investigações in loco (no lugar), ou seja, pode haver audiências colocando como investigados os denunciados (os membros do STF).

No caso das audiências, a Comissão, ao se reunir, ouve declarações e examina depoimentos por escrito e contestações dos denunciados. No caso das investigações in loco, alguns membros da Comissão viajam ao país do qual provém a denúncia, para investigar os fatos onde estes ocorreram.

Se a Comissão apurar que o governo ou uma pessoa desse governo cometeu uma violação aos direitos humanos, então recomendará que esse governo investigue os fatos, compense os danos causados às vítimas e, em geral, que o violador se abstenha de cometer outras violações aos direitos fundamentais. A Comissão não pode forçar esses resultados mas procurará obtê-los de várias formas.

Antes de mais nada, procurará alcançar um “acordo amistoso” entre as partes (o peticionário e o denunciado). Convencer as partes ou seus representantes a iniciarem conversações constitui, muitas vezes, um meio muito valioso. Se isso não for conseguido, a Comissão poderá emitir suas conclusões sobre o caso, que serão levadas ao conhecimento do acusado juntamente com as recomendações sobre a reparação de danos.

Se o governo ou o acusado não cumprirem as recomendações, a Comissão poderá publicar suas conclusões em seu relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou de qualquer outra forma. A ameaça de publicação e censura pode exercer significativa pressão política no sentido de que o governo corrija a situação e/ou que o denunciado se abstenha de violações, já que os relatórios da Comissão chegam ao conhecimento não apenas dos governos, mas também da opinião pública em geral.

Finalmente, pode a Comissão enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, se o Estado de que se trate houver aceitado a sua jurisdição. A Corte, sediada em San José (Costa Rica), tem por função julgar as violações aos direitos humanos uma vez concluído o trâmite na Comissão. Ao denunciante não é facultado a demandar perante a Corte; somente os Estados e a Comissão podem fazê-lo.

Assim sendo, neste momento, tanto o STF como, em específico, Alexandre de Moraes, estão na posição de acusados perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Se o pedido liminar for atendido, deverão suspender imediatamente o famigerado “inquérito”. Depois, serão convidados a prestar esclarecimentos, apresentarem suas defesas, como descrito, e será tentada a conciliação. Caso não seja conseguida, e o STF insistir nesse monstrengo jurídico, o caso será publicado e poderá ser encaminhado à Corte Interamericana, onde será julgado.

A pergunta que fica: será que Alexandre de Moraes e os demais membros do STF irão pagar para ver?

 

Fábio Talhari, para Vida Destra, 22/8/2020.

Sigam-me no Twitter! Vamos conversar sobre as denúncias, procurarei responder às perguntas de todos! @FabioTalhari

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César Luiz Seraphim
César Luiz Seraphim
3 anos atrás

Achei ótimo o artigo ,mas precisamos da instituição do TCOI rapidamente.O que vc acha?Gostaria de saber sua opinião .Obrigado.Abraço

Nunes
Admin
3 anos atrás

Excelente artigo. Tira muitas dúvidas. Lido, relido e divulgado.

Luiz Humberto
Luiz Humberto
3 anos atrás

Mas, enfim, o que pode acontecer com esses ESTRUMES de fato? Podem chegar a ser presos ou no máximo receberão algum tipo de “advertência “?!

Adilson
3 anos atrás

Excelente Fábio! Minunciosamente detalhado e explicado.

Sander Souza
3 anos atrás

Parabéns por mais um excelente artigo!
Muito esclarecedor!

FABIO PAGGIARO
3 anos atrás

Excelente análise. Demonstra que o STF foi colocado numa situação bastante “desconfortável”, uma vez que a denúncia foi aceita e será investigada. Se a Corte Interamericana de Direitos Humanos também não estiver aparelhada, nossos sábios e ilibados ministros, do alto de seu Olimpo Jurídico, terão suas divindades enxovalhadas pela verdade e pela razão. E terão que recuar ou deixar o Brasil em situação de não cumpridor de acordos internacionais.

Emanuel Lopes de Souza
Emanuel Lopes de Souza
3 anos atrás

Parabéns pelo artigo, mas já romperam a linha da negociação, podem recuar nestes dois crimes, em compensação cometeram outros. E o conluio com o senado? Para mim a intervenção se faz necessária.

Maria Flor
Maria Flor
3 anos atrás

Compartilhando, muito obrigada!!

Alberto Mathias
Alberto Mathias
3 anos atrás

Sinceramente, vocês acham que os 11 presidentes, e o cabeça de ovo especificamente, vão perder o sono dos deuses por conta dessa petição? Eles estão é rindo a rodo… espero que ria melhor quem ri por último.

Florivaldo leal
Florivaldo leal
3 anos atrás

Parabéns pelo artigo,muito esclarecedor e esperançoso em saber que os professores de Deus (STF), poderão ter que se explicar.abc

Silvana
Silvana
3 anos atrás

Estranho está estes ministros ficando doentes, seria uma estratégia para fugir às responsabilidades? Tomara Deus que isso seja aceito, não vejo pra onde podemos correr!

Simone Lisboa da Costa
Simone Lisboa da Costa
Reply to  Silvana
3 anos atrás

Também estou propensa a crer nesta hipótese, dado que psicopatas não psicossomatizam!!
Em todo o caso, há que se recorrer às instâncias que possam pôr um fim nos constantes abusos de poder e arbitrariedades. Já basta!
Imaginem só termos que conviver com os pulhas da Super Trupe Farsante durante anos ou décadas?! O povo de bem, sim adoecerá!

Last edited 3 anos atrás by Simone Lisboa da Costa
Edson Ramos
Edson Ramos
3 anos atrás

Prezado Fábio será que podemos acreditar que a Corte também pode estar aparelhada?

LawAndPress
LawAndPress
3 anos atrás

Exatamente!

livia
livia
3 anos atrás

Claro! Já que quem paga uma possivel indenização não são eles e sim o pagador de impostos do Brasil. Eles vão deixar rolar… e nao serão penalizados, infelizmente. Por favor, me corrija se eu estiver errada.