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A questão da Autonomia/Independência do Banco Central – Parte III

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3.2.Suporte teórico (II): transparência, simetria e independência decisória entre os agentes. A crença liberal no ajustamento dos mercados pressupõe a validade dos axiomas de transparência e simetria de informações, além de independência entre os agentes. Assim, a interferência estatal no sistema financeiro é vista como dispensável, já que os pressupostos citados levariam o sistema ao equilíbrio através da competição.

Aqueles que não aceitam esses pressupostos sustentam que as evidências empíricas não dão suporte aos mesmos. Citam que, por exemplo, que nos séculos XVII e XVIII, em todo o mundo, com a inexistência de Bancos Centrais, não havia regulamentação das atividades do sistema financeiro e, no entanto, as crises eram rotineiras. Os bancos realizavam empréstimos sem lastro em larga escala e bastava um pequeno rumor para que uma corrida bancária generalizada de grandes dimensões se instalasse, trazendo a crise. Somente na Inglaterra, cerca de 600 bancos foram à falência entre 1810 e 1817.

Já os defensores daqueles pressupostos minimizam a importância desses fatos, dizendo que a inexistência de regulamentação não foi o fator responsável pelas crises, e que, além do mais, elas foram superdimensionadas. Ressaltam, por outro lado, que a recente revolução das telecomunicações e o avanço da informática tornaram possível a transparência e a simetria de informações, tornando mais difícil a assimetria informacional entre os agentes. Isso teria se constituído num vigoroso suporte para a tese da auto regulação dos mercados, pois suas eventuais falhas e imperfeições seriam cada vez mais atenuadas à medida que as inovações tecnológicas fossem empregadas. Isso tornaria não só possível, mas até recomendável, uma atuação discreta dos bancos centrais, que deveriam tornar mínimas suas intervenções no mercado, dados os custos inflacionários das mesmas e dada a defasagem intertemporal da política monetária.

3.3.Argumento empírico: as pressões políticas. Essa justificativa tem por base a crença de que os governos sempre recorrem ao expediente da manipulação da política monetária para dela extraírem dividendos eleitorais. Assim, com esse objetivo em mente, os políticos não estariam interessados em esperar para observar os esperados frutos do cumprimento de regras monetárias, dado que esse tipo de política só passa a exercer os seus efeitos com defasagem temporal. Como a classe política, seguindo esse raciocínio, só persegue objetivos de curto prazo, ela sempre estaria disposta a fazer uso de medidas temporalmente inconsistentes, isto é, conflitantes e contraproducentes, desde que se traduzissem em ganhos rápidos, ainda que às custas de consequências deletérias no longo prazo. A manipulação se daria, dentre outras formas, por duas vias: a) pela fixação de taxas de juros abaixo do equilíbrio de mercado ou b) pelo chamado imposto inflacionário, ou seja, pela emissão de moeda.  Por isso, em nome da estabilidade macroeconômica, os defensores da autonomia/independência do banco central propõem que este seja protegido dessas nefastas pressões. Existem evidências empíricas de uma correlação positiva entre autonomia/independência da autoridade monetária e o investimento privado nos países em desenvolvimento. A justificativa é que os investidores seriam mais propensos a investir em países onde o banco central tem capacidade de perseguir a estabilidade de preços, sem sofrer ingerência de cunho político.

Dentro dessa visão, existiria uma tensão permanente entre o Tesouro, perseguidor de políticas de curto prazo, e um Banco Central conservador, comprometido eminentemente com a estabilidade de preços. Caso não exista autonomia/independência na prática da autoridade monetária, o simples fato desta ter uma postura conservadora não conferiria uma credibilidade automática à instituição, já que sempre estaria passível de ser influenciada pelas pressões políticas do Tesouro em busca de financiamento. Logo, a credibilidade do Banco Central estaria atrelada proporcionalmente ao seu grau de independência. Quanto mais independente, mais confiável. Na versão mais radical desse pensamento, existiria a possibilidade de diminuir a inflação sem incorrer em custos recessivos, se a credibilidade da autoridade monetária fosse plena. A explicação dada usa a Curva de Philips de expectativas racionais:

Õt = Õet + f(ut) + et

Onde:

Õt = inflação do período t

Õet = inflação esperada do período t

 f(ut) = desemprego do período t

et = choque aleatório do período t

Considerando as hipóteses de expectativas racionais, com um Banco Central totalmente independente e conservador, com total credibilidade, então a autoridade monetária teria condições de implementar uma política deflacionária sem custos recessivos, já que a inflação esperada Õet cairia automaticamente, diminuindo a inflação real, medida por Õt,  quando do anúncio das metas de inflação a serem perseguidas. Dentro dessa defesa extrema da hipótese de credibilidade, teríamos um ajuste de expectativas indolor. É por esse ângulo que a questão da independência total da autoridade monetária é tão cara aos seus defensores, pois a mesma daria confiabilidade plena às políticas monetárias anunciadas, em decorrência do afastamento de pressões para o não-cumprimento das metas.

Algumas das principais teses favoráveis à independência do banco central têm como eixo a abordagem de Rogoff (1985) e a de Walsh (1995). A primeira se baseia no conservadorismo de uma autoridade monetária independente no que se refere às metas e aos instrumentos. Independência quanto às metas significa que a autoridade monetária estabelece seus objetivos de política monetária sem interferência do governo. Independência quanto aos instrumentos se refere à liberdade quanto ao modo pelo qual o banco central irá perseguir as metas fixadas pelo governo.

Na abordagem de Rogoff, o banco central considera uma função de perda social para o estabelecimento de suas metas, perseguindo a redução do hiato, isto é, a diferença de inflação e de produto em relação aos níveis de equilíbrio considerados ótimos. A minimização da função de perda social se dá através de um modelo de vários períodos em que o banco central procurar demonstrar uma postura de credibilidade. Segundo Rogoff, resultado idêntico pode ser obtido através da delegação da política monetária a uma pessoa, agência ou instituição com características conservadoras, isto é, um central banker austero na perseguição de suas metas. A figura do central banker austero está presente como elemento principal das políticas de desinflação em grande número de países, onde se considera que este confere credibilidade às metas de política monetária fixadas. Nesse caso, o central banker conservador seria um ferrenho opositor do viés inflacionário resultante da busca de objetivos de política econômica temporalmente inconsistentes.

Já a análise de Walsh está centrada no modelo de agente-principal, onde o banco central seria punido por desvios em relação às metas anunciadas, em decorrência do aumento dos custos marginais em seguir essa política. Nessa abordagem, o banco central tem independência quanto aos instrumentos. Um exemplo empírico desse modelo é aquele implementado, desde 1989, na Nova Zelândia, que foi o primeiro país a adotar o regime de metas de inflação. Na Nova Zelândia as metas inflacionárias são definidas conjuntamente pelo Reserv Bank, o Banco Central neozelandês, e pelo governo através de um contrato, que sinaliza para a sociedade o compromisso em termos de expansão dos agregados monetários. Outros países que seguem esse tipo de modelo são o Canadá e a Inglaterra. Neste país, os desvios das metas pré-fixadas são punidos em termos de declínio da credibilidade do banco central inglês.

O Brasil, em 1999, logo após a crise desencadeada pela flexibilização do real em relação ao dólar, adotou o regime de metas de inflação, definidas pelo Conselho de Política Monetária, COPOM. Embora, desde sua adoção, em vários anos a inflação tenha ultrapassado a meta prevista, o regime de metas tem sido relativamente bem sucedido em manter a inflação sob controle.

 

Continua no próximo artigo!

 

 

Lívio Oliveira, para Vida Destra, 01/03/2021.                                                            Sigam-me no Twitter! Vamos debater o assunto! @liviololiveira

 

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Lívio Luiz Soares de Oliveira. Economista, analista pesquisador, articulista do Vida Destra